03. A Vila do Dragão

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Os quatro irmãos do meu pai, embora fossem bem parecidos, possuíam personalidade e profissões bem diferentes. Começando pelo mais velho, Adolph, que era um homem inteligente e muito carismático. Sofreu algum tipo de acidente – que sempre foi passado para mim como um atropelamento, mas desde que meu pai revelou sobre o que somos, eu suspeitava ser por outro motivo –, acidente este que o deixou paraplégico e preso em uma cadeira de rodas. E isso nunca afetou em sua personalidade, já que ele era sempre um homem brincalhão e bastante descontraído. Apesar de não ter convivido muito com ele, tinha lembranças não só de quando o visitei nos Estados Unidos quando pequeno, como também de quando nos reencontramos no enterro do meu pai. E meu pai mesmo sempre o respeitou bastante.

O segundo mais velho, Adriano, era um famoso jogador de basquete de uma liga americana. Agora, como ele conseguia ser normal mesmo sendo um Kido, eu não fazia ideia. Talvez por isso ele fosse careca. Provavelmente, raspou a cabeça para não mostrar suas mechas castanhas, característica principal do nosso clã.

O terceiro era o Arthur. Não muito alto e bem rígido, tinha um emprego que parecia o essencial para a sua personalidade. Ele simplesmente comandava jovens soldados que fariam parte, futuramente, do exército de Firen. Chamada de Base do Fogo Militar, essa era uma unidade especial para aqueles que não possuíam as habilidades de um Caçador de Vampiros – geralmente, membros de clãs pequenos que moravam na cidade.

E o último era o Alfred. O mais novo, e também o que eu menos conhecia. Usava óculos e tinha um cabelo curto e arrumado. Acho que ele era o mais parecido com o meu pai, de todos os irmãos. Todos eram morenos e fortes, mas ele tinha a mesma barba rala e quase a mesma voz. E estava me levando para o Paraná.

- Então, tio... onde fica esse portal? – eu perguntei, quebrando o pequeno silêncio que se estabelecia entre nós.

- Estamos perto. Fica em Tunas do Paraná. E esse portal nos levará direto para uma das vilas que fazem parte da Imediação do Palácio do Fogo, em Tsurichan. Chegaremos em menos de uma hora.

De noite, pensei, olhando para o céu lá fora.

O vagão não estava muito cheio. E aquele vazio meio que resumia a solidão que eu estava sentindo nos últimos meses. Meu tio estava com um livro nas mãos, sentado do meu lado de qualquer jeito, lendo muito atentamente. Eu apenas assistia às árvores passando em velocidade, com o rosto apoiado na janela, e tentei imaginar quantas pessoas já haviam morrido na mão de vampiros por aquelas bandas.

Já havíamos cruzado a fronteira São Paulo-Paraná há vários minutos, e eu me senti tentado a pegar a blusa de moletom de dentro da minha mochila que, por sinal, não estava tão cheia. O frio já era intenso, e parecia aumentar conforme escurecia. Eu estava torcendo para o Palácio do Fogo ser... quente. E isso acabou me despertando algumas dúvidas.

- Então, tio... – falei um pouco desconfortável – como é lá? Digo, no Palácio do Fogo? – Porque a única coisa que eu conseguia pensar era em castelos e florestas.

- Eu estava esperando você perguntar – ele sorriu, fechando o livro e se endireitando no banco, aparentemente satisfeito pela minha dúvida. – Acho que vou aproveitar e explicar pra você como funciona a nossa política. Que, por sinal, não é muito diferente da política daqui do Brasil.

Eu franzi a testa, o fitando incrédulo.

- Isso quer dizer que em Tsurichan também há corrupção?

Tio Alfred riu, como se eu tivesse perguntado o óbvio.

- Eu não estava me referindo a isso, mas já que você comentou: sim, há bastante corrupção. Não só em Tsurichan, como no Mundo Paralelo inteiro!

Caçador Herdeiro (5) - Fogo Traiçoeiro | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora