33. O Vale dos Traumas Profundos

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Andar ao lado de inimigos da Eclipse do Caos seria menos desconfortante que caminhar acompanhado por um Natsuno calado.

Foi assim durante todo o percurso até chegarmos às margens do Rio Sangrento, percurso esse que durou quase uma hora. A floresta seguia cada vez mais sinistra conforme andávamos para leste, como se estivéssemos nos aprofundando em alguma espécie de abismo invisível, dado que cada vez mais eu sentia calafrios pelo meu corpo.

— Ainda falta muito? — perguntava Joe a cada cinco minutos. Embora não se recordasse de nada de seu passado, continuava o mesmo Joe que conhecíamos; desastrado, trapalhão, medroso e impaciente.

Natsuno normalmente responderia com tédio, mas, como falei, estava em uma quietude absoluta — chateado por eu não ter lhe contado antes sobre ser o Caçador Lendário, eu presumia, e até o entendia, mas não sabia o que dizer. Eslei e Bruno discutiam sobre como não suspeitaram que Marcos era, na verdade, um inimigo, e eu tentava de todo modo não sentir raiva de Guga, que fez aquela revelação num momento totalmente inapropriado.

E eu sentia estar sendo seguido. Quando olhava em volta, não encontrava nada. Eu sabia, no entanto, que meus instintos sempre estavam certos, e temia que fosse alguém da Eclipse do Caos.

— Por que será que eu não estou com um bom pressentimento? — Priscila encarava a ponte de madeira assim como todos nós: receio e preocupação. Por outro lado, era a única forma de atravessar o rio de águas vermelhas.

— Será que é sangue de verdade? — perguntou Bruno, o garoto-coelho.

— Pelos livros de História do Mundo Paralelo, sim — respondeu Eslei. — Sangue dos demônios que habitaram a terra antes dos nossos patriarcas, derrotados pelos soberanos e indestrutíveis Anjos Celestiais, antes mesmo do nascimento de Onikira. O sangue de demônio é venenoso.

— Venenoso? — gaguejou Joe.

— Se tocar na sua pele, você simplesmente será desintegrado igual areia. Pior até do que lava. Claro, só afeta seres humanos. Ainda bem que você sabia disso — disse o garoto olhando para mim. — Ou o Bob agora não passaria de cinzas.

Engoli em seco. Queria dizer que, na verdade, não sabia, mas preferi ficar calado.

A ponte era longa e estava aos pedaços. Balançava de um lado a outro de maneira tão perigosa que meus amigos voltaram seus olhos na minha direção. A altura da ponte para o rio era de cerca de quinze metros. O rio seguia num fluxo agitado. Resumindo: se a queda não matasse, a correnteza certamente mataria, sem mencionar o sangue venenoso de demônio.

Meu corpo estremeceu dos pés à cabeça

— Eu vou atravessar sozinho — decidi. — Me deem as mochilas. Vou tentar voltar o mais rápido possível.

— Nós vamos com você — disse Natsuno pela primeira vez, decidido. — Se viemos até aqui, não vamos nos acovardar por causa de uma simples ponte. — Havia um quê de rispidez na sua voz.

— O Natsuno tem razão — disse Priscila. — Já enfrentamos lobos, já deparamos com mortos em formato de água, fomos atacados por uma maluca de garras afiadas e quase fomos derrubados do céu por morcegos gigantes. Não é uma pontezinha que vai nos fazer parar.

Bruno e Eslei não pareciam muito diferentes. Único que hesitava era o Joe. Mas não por muito tempo.

— Eu também vou! — disse ele, reunindo toda sua coragem.

Caçador Herdeiro (5) - Fogo Traiçoeiro | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora