51. Notícias que correm

103 14 23
                                    

Embora tudo estivesse em completa escuridão, eu ainda não estava convicto de que havia visto certo.

Era como se a noite tivesse me engolido e me envolvido nas mais profundas trevas. As luzes azuis do ritual e as chamas do candeeiro já não se faziam mais presente. A sensação era horrível, eu já me sentia tonto e desnorteado.

Mas a única coisa que palpitava na minha mente era a última imagem que eu vira: Zoe e Natsuno abrindo seus olhos.

Chamei:

— Zoe? Natsuno?

— Dio? É você mesmo?

Era a voz do Natsuno. Meio atordoada e confusa, mas era a voz dele.

Meu coração se encheu de alegria.

— Funcionou, Jake — falei quase sem voz.

— Sim. — Jake também parecia emocionado. — Foram suas lágrimas. Era o último processo do ritual. Eu não podia te contar senão você não se desesperaria. O ritual deu certo.

— Estávamos mortos — ouvi a voz fraca da Zoe dizendo, um tom que levava uma certa afobação. — O que foi que aconteceu?

Foi Jake quem explicou tudo. Enquanto isso, eu pestanejava na esperança de a escuridão se dissipar, fracassando e me sentindo cada vez mais perdido num mar de tinta preta. Era como se minhas pálpebras estivessem grudadas umas nas outras. A ficha caía aos poucos. Eu estava mesmo cego.

Em alguns momentos, tanto Natsuno quanto Zoe murmuraram um "caramba!" ou um "nossa" durante a história contada por Jake. Ouviram sobre os Mestiços Sanguinários, sobre a biblioteca do clã Melesque e, por fim, sobre o ritual.

— E foi assim que Diogo conseguiu ressuscitá-los — completou o garoto vampiro.

Todos ficaram em silêncio por um bom tempo, até que senti uma mão quente e macia tocar o meu rosto, fazendo meu coração ficar ainda mais alegre, pois o toque era só mais uma comprovação que o ritual havia mesmo surtido efeito.

Sentir a palma da Zoe era tão bom. Perdi totalmente o medo da cegueira.

— Não tenho palavras — disse ela com a voz falha de quem ameaça chorar — para agradecer por essa sua atitude. Você foi... muito corajoso. — E me envolveu num dos abraços mais fortes que eu já havia recebido.

Um abraço que me trouxe paz.

Eu queria tanto poder vê-la...

Senti suas lágrimas quentes caírem no meu ombro. Zoe chorava como uma menina.

Ela se desvencilhou depois de um tempo e, no mesmo instante, outro abraço, dessa vez do meu melhor amigo.

— Sem palavras, maninho — disse Natsuno com a mesma voz fraca da Zoe.

Imediatamente me recordei de quando abracei seu corpo morto lá no terraço do castelo do Orgulho. Lembrei do desespero de ter meu amigo sem vida nos braços. Um momento desesperador.

Com um pouco de sorte, ninguém perceberia que dois túmulos foram abertos. Jake e Natsuno enterraram os caixões e asseguraram que só alguém muito atento perceberia que foram mexidos.

O deslocamento rumo ao meu bairro foi angustiante. Tive que me apoiar em Jake e Natsuno para poder ter algum tipo de orientação. Parecia que meu pé afundaria no chão a cada passo dado.

— Caraca, como é bom voltar a respirar — comentou Natsuno em certo ponto, dando um longo suspiro. — Embora o ar daqui seja dos mais poluídos.

Zoe explicou que no Mundo Espiritual, onde estavam, não possuía oxigênio. Repassei para os dois tudo o que havia se sucedido nas últimas semanas e Natsuno ficou impressionado.

Caçador Herdeiro (5) - Fogo Traiçoeiro | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora