06. Oferta indesejada

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Guga não imaginou que a sua noite terminaria daquela forma. Tudo já estava indo mal demais e de nenhum modo poderia piorar. Pelo menos era o que ele achava antes do que veio a seguir. E agora cá estava ele, descendo a ladeira em alta velocidade em cima do seu mais novo skate, que ele agradecia mentalmente por tê-lo trazido de última hora.

Tudo começou quando ele deixou a Zoe e sua mãe na rodoviária, na Vila Oestina, exatamente às dez da noite. Despediu-se da garota que amava como quem se despedia de um familiar pela última vez, mesmo sabendo que Zoe ficaria só alguns meses fora. Meses que durariam uma eternidade. Levou-as de ônibus, mas decidiu voltar de skate; queria praticar um pouco na rampa mais radical da cidade que, evidentemente, estaria fechada. O que não era um problema: ele pularia e ninguém iria notá-lo.

Mas não demorou em sentir presenças no seu encalço antes mesmo de chegar ao segundo quarteirão após sair da rodoviária, e mesmo dobrando uma avenida e se escondendo com a sua invisibilidade, quem quer que fosse, continuava o seguindo.

Guga finalmente se esgotou e teve que reaparecer para então pular em cima do seu skate e acelerar um pouco mais a fuga. Poderia parar e surpreender os indivíduos, afinal, era um místico muito bem treinado e preparado para qualquer batalha – mesmo envolvendo outros seres anormais. Mas seu coração dizia para continuar fugindo. Desconhecia sobre as habilidades dos inimigos, e como eles ainda o perseguiam mesmo diante da invisibilidade, Guga presumiu que eram realmente perigosos. Ele só não conseguia entender por que estavam atrás justamente dele.

Aquela região da cidade era tranquila e traiçoeira naquele horário, ausente do tráfego de qualquer tipo de veículo ou pedestres. Honorário era um lugar macabro em certos períodos, e a cada beco que Guga olhava, um mal pressentimento o invadia. E se dezenas de vampiros estivessem lhe perseguindo?

As rodas do skate faziam um barulho irritante ao rolar no asfalto, uma vez que eram próprias para rampas ou pistas lisas. Ainda assim, Guga mantinha o controle de sua prancha e ganhava velocidade a cada impulso que dava com o seu pé esquerdo. Poucas vezes olhou para trás, vendo apenas silhuetas rápidas deslocando-se perante à escuridão. Três silhuetas. Menos mal, pensou. Não eram tantos. Bastava esperar o cansaço diminuir para poder se ocultar novamente, e finalmente surpreenderia os inimigos.

Fácil no papel, difícil na prática.

A fuga em si já era cansativa. E quando Guga pensou que finalmente seria alcançado, chegou ao que imaginou ser a sua salvação: a ladeira.

E cá estava ele.

Descia feito um raio, esforçando-se para não perder o equilíbrio, segurando seu boné branco na cabeça e sentindo o vento atingindo o seu rosto. Não ousou olhar para trás; cair, naquelas circunstâncias – na velocidade em que estava – era morte na certa. Metros abaixo havia um cruzamento cuja avenida adjacente à ladeira encontrava-se movimentada de carros e motos.

- Hoje é o meu dia de sorte – Guga resmungou.

Dificilmente conseguiria brecar ou desviar para um dos lados da avenida. Ultrapassar o cruzamento, no entanto, parecia ainda mais impossível. Mas aquela poderia ser a oportunidade de despistar os perseguidores. Bastava fazer um milagre.

Poucos carros subiam ou desciam a ladeira, e conforme Guga se aproximava do que parecia ser a encruzilhada da morte, seu coração assumia batimentos nunca antes vistos. Se morreria ou não, ele descobriria em poucos segundos.

Chegou ao cruzamento e sua adrenalina chegou ao extremo. Desviou do para-choque de uma caminhonete por pouco, quase foi atropelado por uma moto e, quando um dos carros vinha ao seu encontro, fez uma manobra brusca e arriscada: pisou na tail do skate e o mesmo tomou um impulso para cima, as rodas raspando no capô do automóvel vagamente e Guga livrando-se de um acidente que certamente o mataria – e continuou pela ladeira, as rodas voltando a encostar no asfalto, Guga sendo dominado pelo mais profundo alívio enquanto mantinha o perfeito equilíbrio. Seu boné quase ficou para trás.

Caçador Herdeiro (5) - Fogo Traiçoeiro | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora