49. O triste fim

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Engraçado como lembranças boas se tornam atormentadoras em momentos de tristeza. Natsuno era do tipo de cara que gostava de fazer piada com tudo, mesmo quando estava irritado. Ele era bom em deixar a situação de perigo menos tensa. Sempre lutamos em perfeita sintonia, desde a nossa primeira caçada. 

A Zoe era o oposto do Natsuno por ser tímida. Era daquele tipo de amiga que você poderia contar qualquer segredo. Ela dava ótimos conselhos e era a pessoa mais meiga e espetacular que eu conhecia.

Eles eram os meus dois melhores amigos. Não tinham tanta amizade entre si, mas foram enterrados lado a lado. E lá estava eu, colocando rosas sobre seus túmulos. Na lápide do Natsuno, a foto daquele garoto extrovertido que chamava a atenção por ter volumosos cabelos de cor roxa. A lápide da esquerda tinha a foto de uma menina linda cujos olhos verdes cintilavam com carisma.

Entretanto, por mais que eu tivesse boas recordações dos dois, as imagens que ficavam marcadas na minha mente ao olhar para suas fotos era a de Natsuno arregalando os olhos ao ser perfurado pela katana e a da Zoe debilitada por ter usado seu poder com excesso.

Por isso eu sentia um vazio no peito. Além da dor da perda e da culpa, eu me sentia sozinho, uma solidão que era maior que a solidão que senti quando cheguei na cidade. Talvez porque foi justamente os dois que me receberam e se aproximaram de mim, um na escola e o outro no meu bairro.

— Vocês não podiam ter morrido — encontrei-me dizendo.

Fiquei das meio-dia e meia até quase três da tarde diante dos túmulos apenas lembrando dos nossos momentos. Já era a terceira vez que eu fazia esse tipo de coisa: saía da tediosa escola direto para o cemitério Mesquita. Era o único meio de eu não me sentir tão só, embora aquilo ainda estivesse longe de ser considerado como um conforto.

Eu nem mesmo estava caçando. Não conseguia me focar. Na verdade, eu não tinha ânimo nem mesmo para me alimentar.

— Como se sente sabendo que matou ela?

Nem olhei para trás. Aquela voz era inconfundível: Guga. Era a primeira vez que nos encontrávamos em duas semanas. E pelo tom de amargura, ele não parecia muito feliz.

— Responde, desgraçado!

— Eu me sinto péssimo — respondi. — A pior pessoa do mundo.

Pensei que seria acertado por trás a qualquer momento. Se Guga decidisse me bater, eu certamente não reagiria. Ele não estava errado.

— Ela depositava toda sua confiança em você — continuou ele, irritado e com voz de quem chorara o dia inteiro. — Ela pensava que, confiando em você, estaria segura. Mas estava enganada!

O sol escaldante foi escondido por uma nuvem, visto que de repente tudo escureceu. As palavras do Guga, por mais que dissessem somente aquilo que eu já sabia, me machucavam. Mas eu já estava acabado por dentro mesmo, então nem me importava.

— Todos confiamos — disse ele baixando um pouco o tom. — E você só nos colocou em risco! Olha o Natsuno, o que acabou acontecendo com ele. Poderia ser pior se Shin, Marcos e eu não tivéssemos aparecido naquela hora. Talvez nem você estaria vivo, o que seria um alívio.

Então decidi encará-lo. Não pela última frase, mas por ele ter mencionado Shin e Marcos. Tive uma sensação ruim quanto àquilo.

E, como imaginei, Guga chorara. Seus olhos verdes estavam avermelhados e inchados e ele estava suado. Tinha uma aparência horrível.

— O Marcos estava certo.

— Do que você está falando?

— Sobre estar perto de você. Você é amaldiçoado, Diogo. Todos que estão próximos de você acabam se afastando de alguma forma, ou indo embora ou… morrendo. — Seus olhos desviaram para as lápides, e Guga trincou os dentes enquanto apertava forte os punhos.

Caçador Herdeiro (5) - Fogo Traiçoeiro | COMPLETOOnde histórias criam vida. Descubra agora