Você pode pensar que sou louco, já que Natsuno e eu quase cometemos suicídio, mas a experiência no Vale dos Traumas Profundos nos proporcionou lá seus benefícios.
Foi horrível ver a morte do meu pai pela segunda vez, claro, mas a reflexão que ela trouxe fez eu repensar em todos os meus atos. Explicando melhor, Tony morreu na noite em que tivemos a oportunidade de conversar sobre coisas que estavam me incomodando na época, a principal delas sendo o Tyler, um irmão que meu pai "escondera" da minha mãe. Eu estava puto, tinha mágoas dele, mas tudo havia uma explicação — meu pai tinha seus motivos. E acabou morrendo em seguida, sem sequer ouvir um pedido de perdão meu, que apenas o culpei sem antes ouvir o seu lado.
Então, a primeira coisa que fiz quando despertei do transe foi pedir perdão para o meu melhor amigo.
— Por ter sido um babaca todo esse tempo — falei para Natsuno. — Culpei vocês injustamente e me afastei muito. — Não havia timidez ou orgulho que me parasse, decidi ser sincero até o fim. — Você... me perdoa, cara?
Natsuno não respondeu a princípio, imaginei que viraria o rosto e jogaria na minha cara mais uma vez o fato de não ter lhe contado antes sobre ser o Caçador Lendário.
Entretanto, ele baixou os olhos e disse:
— Sabe, maninho, quando o João e a Jussara morreram, eu fiquei sem saber o que fazer. Até pensei em me matar. Eles... Eles tinham muitos sonhos, eu gostava do jeito que se tratavam, um cuidava bem do outro, mas nunca admiti isso pra ninguém. Aí quando eles morreram, senti que deveria ter me expressado melhor, porque tive muitas oportunidades, só que o orgulho sempre vencia. Talvez, se tivesse sido mais sincero comigo mesmo, eles ainda estariam vivos, e eu não me sentiria tão arrependido quanto me sinto agora. Vê-los morrer mais uma vez... — Sua voz fraquejou. — Rever a morte deles trouxe todos esses sentimentos de volta, e se eu pudesse pedir uma única coisa, seria uma última conversa com os dois, pois me desculparia pelas vezes em que debochei do amor de irmãos que havia entre eles.
Natsuno levantou os olhos lentamente, marejados com excesso, e completou:
— Eu te perdoo sim, maninho. E, hã, perdão por ter sido ignorante.
— Não tem nada — falei com o coração cheio de alegria, alívio e gratidão.
— Agora falta você pedir perdão por não ter me contado antes sobre aquilo.
Como sou lento, demorei alguns segundos para entender a que ele se referia.
— Ah, sim, você está certo. Perdão por não ter te contado antes.
Natsuno sorriu debochado.
— Você está parecendo uma menininha, chorando desse jeito.
Todos riram, e então percebi que lágrimas enchiam meus olhos.
Depois disso, a nossa missão no vale foi muito mais leve e simples. Enchemos as três mochilas de frutas (deixamos os peixes para lá, pois dariam muito trabalho por causa da neblina), retornamos para a subida íngreme e tornamos a atravessar a traiçoeira ponte de madeira, sempre agradecendo ao Joe por ter nos salvado — e aliviados por ele ter recuperado a memória. Em menos de duas horas já estávamos de volta à clareira, onde encontramos Kelan, Yago e Ryan vigiando o perímetro enquanto os demais dormiam no chão junto a uma árvore enorme.
— Já era hora — disse Kelan, correndo para nos receber.
— Houve alguns imprevistos — disse eu coçando a cabeça.
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Caçador Herdeiro (5) - Fogo Traiçoeiro | COMPLETO
AdventureLivro 5 da saga CAÇADOR HERDEIRO. Desde a antiguidade, o fogo é considerado o símbolo da força e do poder entre todos os seres vivos, ao mesmo tempo em que é temido como um elemento perigoso, traiçoeiro, que deixa rastros de destruição por onde pass...