Capítulo 6

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De repente uma luz bem forte nos ilumina, a porta abriu e o som de lá debaixo invadiu o quarto. Cobri meu rosto com o antebraço, forçando a vista para ver quem era.

Marcel.

Não, qualquer um, menos ele.

— Me disseram que aqui era o banheiro.

Quando ele percebeu de quem se tratava saiu correndo. Tateie a cama procurando minha bolsa, achei-a e a pus do lugar que nunca deveria ter saído, debaixo do meu braço.

— Espera, aonde você tá indo? —  Ryan perguntou, como se nada tivesse acontecido.

— Marcel nos viu!

— Eu sei.

Estava procurando meu celular dentro da bolsa quando me virei e percebi do que se tratava.

— Como pode ser tão infantil ?! Armar para que ele nos visse juntos? — Cuspi ríspida.

— Calma, amor. — Ele estava terminando de abotoar a camisa. —  Ele precisa entender que você está comigo.

— Quer saber, Ryan?! Vai pro inferno!!!

Saio do quarto feito um predador atrás da presa inofensiva, pobre presa. Desço as escadas sem me importar quem empurro no meio do caminho, quase caio duas vezes com o chão molhado de algo. Procuro Marcel no meio da multidão e o acho, em frente a porta principal, cuja a passagem estava bloqueada por Brandon e um dos gêmeos.

— Marcel! —  Grito o mais alto que posso.

Ele me olhou e virou o rosto novamente, parece implorar para que eles o deixem ir. O garoto estava cerca de três metros de mim, quando um foco de luz foi movido para o topo da escada, quase me cegando.

Ryan.

—Boa noite a todos. — Falava por intermédio de um microfone. —Quero agradecer a presença de cada um, mas especialmente de uma pessoa. Marcel, sim, você mesmo. Venha cá! Vamos, não seja tímido.

Eu já o conhecia o suficiente bem para saber que ele estava angustiado, com receio de dar um passo sequer. Mesmo assim ele foi, como Ryan ordenou.

—Sem você a noite não teria graça, não é meninos? — Ele soltou uma risada carregada de sarcasmo. — Hoje o dia é dedicado para você aprender a não se meter com a namorada dos outros! Andei vendo sua ficha do colégio e soube que você está no clube de cinema, gosta de filmes antigos, então? Pensei em homenagear um esta noite. Brandon, agora! — gritou ele.

E então um líquido vermelho estava sendo derramado em cima do pobre Marcel, a cena parecia ocorrer em câmera lenta, ele se encolheu ao mesmo tempo que o líquido era derramado sob ele. Ainda tentei correr no entanto fui impedida pelo outro gêmeo. Como Ryan pôde? Eu deveria ter percebido tudo isso, mas estava tão encantado com o fato das coisas estarem se ajeitando, droga, como eu fui burra!

O líquido se espalhou pelo meio da sala, as lentes do óculos do Marcel estavam cobertas por ela. Ele todo, pra falar a verdade. Senti algo dentro de mim, algo parecido com... culpa.

— Eis Holmes Chapel High: Marcel, O estranho.

Ele tirou os óculos, tentando limpá-los com os dedos, numa tentativa muito falha. Então saiu correndo, ou melhor, escorregando. As gargalhadas podiam ser escutadas de qualquer cômodo da casa, alguns já estavam tirando fotos ou filmando. Flashes por toda parte, o Marcel atordoado e eu atordoada, olhando em volta enquanto todos riam e os flashes surgiam em sinfonia. Eu estava boquiaberta, não sabia se ia atrás dele ou simplesmente brigava com o Ryan por ser tão estúpido. Então, por via das dúvidas, fiz os dois ao mesmo tempo.

—Quer saber, Mcqueen? Tá tudo acabado! — Esbravejei.

Saí correndo, seguindo o rastro de tinta pelo chão. Avistei-o perto do portão de entrada, falando com um dos funcionários para a abrir o portão eletrônico. Não sabia onde estava Joshua e pouco me importava com isso agora. Fui procurar o carro, Josh sempre deixava a chave na ignição, pronta para dar vida ao carro.

Entrei e girei-a, o motor rugiu e segui até o portão. Marcel já não estava mais lá, sai mesmo assim, ele não devia estar muito longe.

***

Após rodar várias vezes pela vizinhança, o vi atravessando em direção a um parque. Assim que me aproximei do local estacionei o carro e corri na direção que ele foi. A grama estava úmida, eu amava aquela sensação de andar sem sapatos sobre ela, é quando percebo que não lembro quando foi a última vez que vi meus sapatos.  Vi alguns vestígios de tinta pelo meio do caminho e os segui.

Imagino como ele deve estar, um tanto decepcionado, obviamente. Será que alguém o viu nas ruas? E se viram, será que riram? Tudo que eu queria naquele momento era encontrá-lo e mais nada.

Então o avistei, sentado na grama na beira do lado, abraçado aos joelhos. Algo lhe prendia a atenção, porém seus ombros levantavam e abaixavam em movimentos rápidos, ele estava chorando. Diminui a velocidade dos meus passos e me aproximei dele, observando a paisagem e a quietude do parque. A lua minguante, o céu coberto por estrelas que refletiam na água. O parque estava vazio, deve ter sido por isso ele veio para cá. Em passos calmos o alcanço e me sento ao seu lado.

—Você tá bem? — perguntei, quebrando o silêncio.

Ele virou o rosto para o lado oposto, certamente não queria que eu o visse chorar. E ao fazer aquilo me deixou com vontade de chorar também. Senti minha garganta seca e uma dor se alastrou na mesma.

— Ei...—sussurrei docilmente. —Não precisa se esconder de mim, todos temos nossas fraquezas. Isso é o que nos torna humanos.

— Você quer saber se eu estou bem? Não, eu não estou. Nunca fui tão humilhado em toda minha vida! — Desabafa com raiva.

Me encolhi abaixado a cabeça, pus minha mão em suas costas acariciando-o. Apoiei minha cabeça em seu ombro e chorei junto a ele, mesmo querendo parecer forte para ele.

—Vai se melar de tinta. — murmura.

— Não me importo...

— Por que veio atrás de mim? Por que não se junta com o seu namorado para rir da minha cara? Por que não é como os outros?

— Só sei que este é o lugar que eu devo estar. Porque Ryan é um idiota! Porque, porque ... eu sou sua amiga, Marcel. E só agora percebi que não pertenço àquele mundo, cheio de rótulos e disputas. Se só posso ser quem sou de verdade ao seu lado, que assim seja.

—Obrigado, você é a única que eu posso contar.

— Você também é o único, poder ser eu mesma é...libertador. —Suspirei.

Nos abraçamos e ficamos ali, juntinhos, sem se importar com a tinta ou com o frio. Ou com o fato de estar prestes a chover.

— É para eu me sentir lisonjeado?

— Talvez. — Ri.

Marcel me cutuca com o cotovelo e rimos.

— Não sei o que dizer a minha mãe quando chegar em casa ou como vai ser no colégio amanhã.

— Tenho certeza que sua mãe lhe dará mais palavras de conforto do que eu consigo e em relação ao colégio, não se preocupe. Eu sei exatamente o que fazer. —Dou um sorriso malicioso.

—O quê?

—Alguma vez já ouviu falar em vingança?

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