LXV - De ponta cabeça.

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Sabe aquela sensação irritante de que está deixando algo passar? Que por mais que você tente descobrir o que é, não consegue. Era exatamente assim que estava, o quebra-cabeça que era toda aquela história que estávamos envolvidos. Era como se fossemos marionetes em um teatro onde uma mão invisível puxava as cordas. Apesar de todos os avanços permanecíamos estagnados no mesmo lugar.

Esse novo fato a respeito de Elizabeth era mais uma coisa para nos preocuparmos. Não acreditava que a ligação dela com Edward fosse capaz de dar qualquer tipo de dom, uma outra coisa era a responsável; no entanto nada me ocorria naquele instante. Sacudi a cabeça tentando organizar os pensamentos, não queria queimar o jantar. Mady havia subido para verificar como nosso filho estava, Chris foi direto para o quarto depois que chegou da escola alegando estar cansado e queria dormir um pouco. O problema era que Chris capotou e não acordou nem para almoçar, ele estava dormindo tão profundamente que não tivemos coragem de acordá-lo e desde então está adormecido levantando a questão de qual o motivo para tanta exaustão.

Charlotte havia saído a algum tempo e até o momento não tinha chegado, os gêmeos não costumavam se atrasar nem para o almoço e muito menos para o jantar. Ouvi a porta da frente abrir e em seguida fechar, esperei Charlotte anuncia sua chegada como sempre fazia; mas isso não aconteceu. Ouvi os passos dela indo em direção as escadas, saí da cozinha a tempo de vê-la subir os últimos degraus. Algo não me cheirava bem e não era o jantar começando a queimar. Retornei para a cozinha e apaguei fogo do ensopado e subi para descobrir o aconteceu com minha filha.

- Charlie? - Bati na porta entreaberta. – Posso entrar? – Obtive apenas um murmúrio afirmativo que se não fosse por minha excelente audição não teria ouvido. Entrei no quarto iluminado apenas pelo abajur localizado no criado mudo. Charlotte estava sentada na beirada da cama, ele olhava para o chão. – Sunshine. – Seite ao lado dela. Minha filha olhou-me, os olhos azuis gelo estavam marejados. Estava certo, havia acontecido alguma coisa, só esperava que aquele fulaninho que ela chama de namorado não tenha nada a ver com isso. – Fale comigo princesa.

- Porque pai? Porque temos que ficar quietos apenas observando enquanto eles se destroem? – A voz de minha filha estava carregada de uma dor profunda que abalou meu interior. – A humanidade está caminhando por caminhos cada vez mais escuros e tortuosos, nós podemos mudar isso. Porque o Concelho não deixa?

- Quando era mais jovem e recebi a autorização para sair de Guardia e passei a viver entre os humanos também me fiz essas mesmas perguntas; mas conforme os dias se transformaram em meses, os meses em ano, ano em séculos e séculos em milênios percebi que apesar de os conselheiros terem falhas e muitas vezes prezarem seus próprios interesses, eles tem razão em uma coisa. A humanidade não está preparada para saber de nossa existência e você sabe que interferir sem ser descoberto é uma tarefa quase impossível.

- Não faz sentido, as outras dimensões que tem conhecimento da nossa existência estão em igual ou pior situação. A verdade é que os conselheiros estão pouco se lixando para o que acontece fora da dimensão protegida deles.

- Não é assim tão simples meu amor. Seus avós tem lutado para mudar isso a muito tempo.

- Mas não é suficiente, os outros são covardes e acomodados. – Sempre soube que Charlie não concordava com as regras que tínhamos de seguir; mas essa raiva toda era novidade.

- Entendo sua frustração querida. – A abracei pelos ombros, Charlotte tremia e seus músculos estavam tensos.

- Não é frustração pai, é raiva... impotência. – Charlie deitou a cabeça em meu peito e a mão direita segurou minha camisa mostrando como estava lutando para se manter o controle.

Guardiões - Descendentes. Vol 2.Onde histórias criam vida. Descubra agora