Capítulo V

66 12 0
                                    

        Eu estava morta ao fim do dia. Dispensei os alunos, mas continuei no galpão. Apoie-me em minha mesa, virada para as armas.
 — Como me chamam para treinar um batalhão, — disse, sozinha — se nunca venci uma guerra?
 — Você nunca venceu nenhuma? — perguntou uma garota e levei um leve susto.

        Virei e vi Evie.
 — Oi, Evie.
 — Você nunca venceu nenhuma guerra?

        Pensei por um instante. Deveria contar a verdade? Podia manchar a minha imagem de general, aí ninguém mais iria confiar em mim e iríamos perder de vez. Nunca gostei de mentiras, mas Evie transmitia uma sensação de segurança. Acho que podia confiar nela.
 — Não. Sempre fui soldado e nunca venci.
        Ela me encarou.
 — E o que isso tem a ver? Você não estava no comando em nenhuma delas, certo?
 — Certo.
 — Com tantas guerras vividas, tantas mortes sentidas, acho que você ganhou um pouco de experiência para lutar, não?

        Sorri.
 — Acha?
 — Acho. Você tem determinação no olhar, força na voz. É muito capaz de guiar um exército.
 — Obrigada, Evie.
 — Não precisa agradecer, só falei verdades. Vejo você amanhã?
 — Vejo você amanhã.

        Ela se virou para ir embora, mas perguntei:
 — Evie, por que voltou aqui?
 — Ah, esqueci meu casaco.

        Franzi a sobrancelha enquanto Evie saía e lembrei que a garota não usava nenhum casaco.

        À meia noite, todos dormiam. A paz que rondava a noite era completamente diferente do que qualquer calmaria durante o dia. Corujas, riachos, estrelas, a lua.

        Quando se é uma Alma da Noite, a escuridão iluminada pelas estrelas e pela lua torna-se uma benção. A noite renova minhas energias, meus porquês, meu ser.

        Naquele silêncio escutei uma melodia, cantada muito baixinho. Avancei mais um pouco e reconheci o rosto. As flores ao seu redor brilhavam.
 — Twila.

        A dona dos grandes olhos verdes olhou para mim.
 — Nix. — ela se levantou e me abraçou — Como você está? As árvores me disseram que estava por aqui.
 — Sim. Estou bem e você?
 — É, tudo bem. Essa roupa, é do exército?
 — Exatamente. Sou general do exército sudeste de Braza.
 — Quanta responsabilidade.

        Aquele diálogo estava forçado e muito clichê, eu não queria conversar com Twila. Queria ir embora.
 — Twila, eu... Tenho que ir.
 — Por quê?
 — Tenho um compromisso agora.
 — Agora?

        Bufei.
 — Olha, eu não queria ser rude, mas...
 — Mas eu te lembro a Lune. — ela riu — Eu ia dizer a mesma coisa de você. Enfim. — a mulher pôs as mãos em meus ombros — Te vejo daqui a duas semanas. Eu e a Aita.
 — Aita? — engoli em seco.
        Twila piscou pra mim.
 — Lembre-se dos bons momentos com sua irmã.

        Após isso, a Alma da Natureza encostou em uma árvore e desapareceu.

        Ao meu lado, havia um lago que espelhava a linda noite. Peguei uma pedra oval e joguei. Ela quicou duas vezes e afundou.

        Depois de duas horas caminhando, meus pés começaram a doer.
Deitei em minha cama com um blusão que não conseguia lembrar de onde viera e fiz pequenas chamas dançarem entre meus dedos.

        A sua chama interna é mais brilhante e mais poderosa que a minha. Não a deixe morrer. Nunca.

        E adormeci sorrindo com a doce lembrança de Lune em meus sonhos.

A Última AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora