Capítulo XI

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        Quando entrei em meu galpão os soldados já estavam lá.
 — O que aconteceu, srta. Campbell? — perguntou um aluno.
 — Um imprevisto.
 — Mas o que era? — insistiu outro.

        Suspirei. Ah, a curiosidade humana.

 — Não era nada. — respondi, perdendo a paciência.
 — Era uma ameaça dos Solines?
 — Não.
        A turma começou a cochichar, mas eu não estava com cabeça para aquilo.
 — Silêncio! Foi uma Alma do Som defeituosa, só isso.
        Eles se imediatamente se calaram.
 — Não há nada para vocês se preocuparem. — completei e mudei de assunto — OK, vamos começar a parte prática. Levantem-se, vou ensinar-lhes a se proteger do fogo. — Fiz um grande círculo com os braços e um campo de energia surgiu, uma placa transparente. Depois, fechei — Com esse movimento, o fogo será bloqueado. Vez de vocês.
        Os observei tentando.
 — Como saber se funciona? — perguntou Melanie.
 — Simples. — lancei uma pequena coluna de chamas em sua direção.
        Em vez de bloqueá-las, a garota se jogou para o lado caindo perto das espadas. A turma riu.
 — Acho que assim não dá. — falei, rindo e ofereci minha mão para puxá-la — Vou dizer uma coisa: caso vocês não consigam bloquear algo ou se machucarem no treinamento, eu vou estar aqui. Eu vou curar vocês. Quero que errem e aprendam aqui, porque lá eu não vou poder protegê-los. — olhei para Melanie — Vamos tentar de novo?
        Ela assentiu e se posicionou. Lancei chamas, a garota conseguiu bloquear, então sorri. Que orgulho!
— Muito bem. — olhei para a turma — Caso muitas Almas estejam em cima de vocês, façam o círculo para cima. Ele se espalhará ao seu redor.
        O treino prosseguiu pelo resto do dia.


        Quando o crepúsculo despontou no horizonte, os soldados saíram; eu estava livre. Peguei uma das armas, protetores de ouvido e fui para a sala ao fundo, onde tinham vários bonecos de metal, alvos.
        Comecei a atirar, quase nunca errando a mira. Recarregue três vezes, minha cabeça estava cheia demais.
        Senti uma mão em meu ombro e errei o ponto, atirando na parede de metal. Tirei os protetores e estava prestes a gritar com a pessoa.
 — Oi, Nix! — falou Evie.
        Ah, esquece.
 — Oi, Evie! Me deu um susto.
 — Desculpe. O que faz aqui?
 — Não sei. Relaxar.
 — Relaxar com uma arma de fogo? Como consegue?
 — Instinto, acho. A eternidade faz coisas estranhas. Quer tentar? — tentei entregar a pistola para ela, mas Evie recuou, séria — O que foi?
 — Não quero, valeu.
        Coloquei o objeto em uma bancada.
 — O que houve? Tudo bem?
 — Sim, é só que... Não gosto de armas. Tenho pavor.
        Franzi o cenho. Quis dizer a ela que a mesma iria para a guerra, mas percebi que aquele não era o momento certo. Não era a hora de ser a general ou a Alma eterna, era hora de ser a Nix.
 — Aconteceu algo? — a garota olhou para o chão.
 — Não é nada.
        Pus minhas mãos em seu rosto, colocando uma mecha de cabelo azul atrás da orelha.
 — Ei. Pode me contar, se quiser. Não vou te julgar.
        Evie respirou fundo e se sentou em um banco que havia ao canto. Silêncio.
 — Eu... Eu vim do interior do norte de Braza. As coisas não são muito... calmas por lá. Os tiroteios são muito frequentes. — pude ver seus grandes olhos cheios de um grande vazio — Uma vez, minha mãe saiu para ir comprar remédios e um dos tiroteios começou. Eu me lembro de ficar encolhida debaixo da cama com as mãos nos ouvidos, rezando para tudo passar. Tinha treze anos. Passaram-se duas horas quando finalmente o barulho terminou. Corri até porta e comecei a gritar seu nome, até que um soldado me parou. Ele se abaixou para ficar da minha altura e apontou para um grande saco preto. Eu não acreditei. Corri até lá e abri o saco. Era ela, Nix. — lágrimas escorreram de seu rosto — Era ela. Ainda ouço as palavras do soldado: "Ela morreu. Sinto muito". Mas... ele não sentia. Era só mais uma morte que ele tinha que relatar, só mais um corpo. Hipocrisia pura.
        Olhei para ela e a abracei.
 — Eu tinha uma irmã, sabe? — comecei — Seu nome era Lune. Ela era três anos mais velha que eu, sempre foi assim. Uma outra Alma da Noite. Lune era minha heroína. Ah, Evie, eu a amava tanto... Um dia, o ano era... 2446, acho, estávamos caminhando por um parque, e... — senti a mágoa escorrer pelo meu rosto — Eu te juro que ouvi a arma sendo engatilhada, juro que ouvi o barulho da bala. A mira... A mira era em mim. Eu era o alvo. Era para ser eu, não ela. Sempre, em cada nova encarnação, ela vinha antes para me acolher. Lune prometia sempre me proteger. Eu falava o mesmo, e ela ria. Eu só não sabia que ela levaria essa promessa até o fim. Minha irmã jogou-se em minha frente. — as lágrimas molharam minha camisa, mas pouco me importei — Eu senti, por ela, a bala quando atingiu seu coração. Lune sorriu para mim e sussurrou... "Adeus Nix. Seja quem eu nunca consegui ser." Aí... Aí ela me encarou pela última vez com seus lindos e brilhantes olhos negros e... E caiu em meu colo. Me lembro de gritar por mais uma chance, um jeito de voltar no tempo e ter minha heroína de volta. Observei seu rosto perdendo a cor por longos minutos, até que ela se desintegrou, a Mãe Terra recolheu uma de suas filhas. — suspirei — Eu pensei em me entregar. Pensei em caminhar até aqueles humanos e deixá-los me matarem, porque aí... Porque aí, se houvesse alguma coisa do outro lado, eu estaria lá. Lá com ela.
        Soltei uma risada leve, junto com mais lágrimas.
 — Então eu pensei na bronca que ela me daria. Lune se sacrificou para que eu continuasse olhando para o céu, para que eu continuasse sonhando. Ela me protegeu até seu último segundo. Sou muito grata a minha irmã por tudo o que vivemos, pelos sorrisos que arrancou de mim, pelas besteiras que aprontamos, por todos os doces que comemos juntas e pelas suas eternas risadas, que estarão sempre em minha memória.
        As eternas risadas da minha eterna Lune.

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