Três dias.
Meus músculos doem, minha respiração é pesada, meu coração bate cada vez mais rápido. Os minutos se arrastam, cada dia é igual à eternidade. Nada é igual ao que vi antes, é tudo mais sangrento e terrível.
Meu comunicador vibra, hora de pausa.
Base 15. Adentro a cabana, muitos feridos. Vitya, Alma da Vida, cura-os. Caminho até ela, suada e cansada. Os cortes em mim somem devagar. A curadora me vê e bufa.
— Não me diga que você também está ferida.
— Não, não. Estou bem. Preciso comer.
Suas olheiras são profundas, deve estar trabalhando há três dias sem parar. Para uma Alma da Vida, está bem acabada.
— Próxima tenda.
— Quer ajuda?
— Não, você acabou de sair do campo. Vá descansar.
Enquanto caminho até o refeitório, vejo Kali, uma Morte. Fecho a cara.
— Kali.
— O que foi, Nix? — sua voz fria ecoa em meus ouvidos, gelando minha espinha — Estou fazendo meu trabalho, assim como você está fazendo o seu.
Ouço um grito na cabana e ela desvia o olhar para a vítima.
— Com licença. — Kali caminha até o rapaz.
Nenhum humano ali é capaz de vê-la, as Mortes em ação são invisíveis aos olhos dos mortais. A Morte passa a mão na cabeça do homem, como se estivesse fazendo carinho. Os olhos de Kali ficam azuis e o coração do rapaz para de bater.
Viro-me para continuar meu caminho e pego uma barra alimentar, junto com uma fruta. Temos sanduíches e carnes por enquanto, mas prefiro deixar para os soldados. Me sento segurando uma garrafa d'água.
Conforme a bebida desce pela minha garganta, minhas energias se renovam, os machucados somem de vez. Apoiada em meus antebraços, fecho os olhos.
— Ah, você está bem! — alguém grita, me assustando.
— Twila.
Como não me levanto, a Alma da Natureza vem e me abraça.
— Algum machucado?
— Não, estou bem. Ah, Nix... É tudo tão horrível, ver Almas que nasceram conosco serem mortas é terrível.
Passo a mão em seus cabelos castanhos. Essa é a primeira guerra de Twila, ela nunca tinha visto tamanho horror. Sendo uma Alma da Natureza, é mais pacífica do que guerreira. Fiquei impressionada quando concordou em treinar os soldados, ela mesma teve de ser treinada.
— Eu sei. Por isso estamos aqui. Para acabar com essa carnificina sem fim.
Ela esfrega os olhos, espantando as lágrimas.
— Sim, por isso. — retomando sua pose, completa: — Vá descansar, deve estar exausta.
A abraço e caminho até o dormitório.
Beliches enfileirados em vários quartos. Deito no primeiro que vejo, fechando os olhos e tentando relaxar. Relaxe, Nix. Você precisa dormir.
Insônia da guerra.
Depois de uma hora, desço da cama e lavo meu rosto no banheiro. Olho meu reflexo. As tumbas embaixo de meus olhos não ajudam a esconder minha cara de destruída. Minhas mãos tremem, minha visão fica turva. Preciso de café. E de um cigarro.
Com uma xícara quente em minhas mãos, encosto em uma árvore. O calor me acorda, mas não me tira o cansaço. Fecho os olhos por um minuto.
— Você está bem?
A observo. Cabelo colorido, pele manchada. Alma das Cores.
— Hum... Sim, mas quem é você?
— Rainbow. De Niratus.
— Entende minha língua?
— Já morei em Braza.
Desvio o olhar e bebo mais um gole.
— E você? Quem seria?
— Ah, Nix. Exército sudeste de Braza.
Rainbow se encosta ao meu lado.
— Quer? — ela me oferece um cigarro — Parece estar precisando.
Aceito sorrindo. A fumaça invade o ar.
— Parece cansada. Não gostaria de dormir?
— Não consigo dormir. — respondo, seca — Desculpe. Não queria ser grossa.
— Não esquenta. Tudo bem.
Dou mais um tragada e tusso.
— Não está acostumada, certo?
— Certo. — ainda tusso — Difícil eu fumar.
Rainbow expira fumaça. Ouço um grito agonizante vindo da enfermaria.
— Isso é horrível.
— Eu sei, mas... É a vida, certo?
Certo?
Dou de ombros e meu comunicador toca.
— Hora de voltar. — apago o cigarro e jogo na lixeira.
— Percebi.
Decoro seu rosto, e digo:
— Bom papo.
— Concordo.
Pego minhas armas.
— Proteja seu exército, general.
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A Última Alma
Ficção GeralA Mãe Terra as criou. As Almas. Seres criados à sua ideia de divinos, seres criados para proteger os humanos. Seres místicos, poderosos e... Perfeitos. Nix é a exceção. Mesmo criadas para proteger os humanos, muitos não as enxergavam como prote...