Capítulo XXII

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        Três dias. 

        Meus músculos doem, minha respiração é pesada, meu coração bate cada vez mais rápido. Os minutos se arrastam, cada dia é igual à eternidade. Nada é igual ao que vi antes, é tudo mais sangrento e terrível.

        Meu comunicador vibra, hora de pausa. 

        Base 15. Adentro a cabana, muitos feridos. Vitya, Alma da Vida, cura-os. Caminho até ela, suada e cansada. Os cortes em mim somem devagar. A curadora me vê e bufa. 

 — Não me diga que você também está ferida.

 — Não, não. Estou bem. Preciso comer.  

        Suas olheiras são profundas, deve estar trabalhando há três dias sem parar. Para uma Alma da Vida, está bem acabada.   

 — Próxima tenda. 

 — Quer ajuda?

 — Não, você acabou de sair do campo. Vá descansar. 

        Enquanto caminho até o refeitório, vejo Kali, uma Morte. Fecho a cara. 

 — Kali. 

 — O que foi, Nix? — sua voz fria ecoa em meus ouvidos, gelando minha espinha — Estou fazendo meu trabalho, assim como você está fazendo o seu. 

        Ouço um grito na cabana e ela desvia o olhar para a vítima. 

  — Com licença. — Kali caminha até o rapaz. 

        Nenhum humano ali é capaz de vê-la, as Mortes em ação são invisíveis aos olhos dos mortais. A Morte passa a mão na cabeça do homem, como se estivesse fazendo carinho. Os olhos de Kali ficam azuis e o coração do rapaz para de bater.

       Viro-me para continuar meu caminho e pego uma barra alimentar, junto com uma fruta. Temos sanduíches e carnes por enquanto, mas prefiro deixar para os soldados. Me sento segurando uma garrafa d'água. 

        Conforme a bebida desce pela minha garganta, minhas energias se renovam, os machucados somem de vez. Apoiada em meus antebraços, fecho os olhos. 

  — Ah, você está bem! — alguém grita, me assustando. 

  — Twila. 

        Como não me levanto, a Alma da Natureza vem e me abraça.

  — Algum machucado? 

  — Não, estou bem. Ah, Nix... É tudo tão horrível, ver Almas que nasceram conosco serem mortas é terrível.

Passo a mão em seus cabelos castanhos. Essa é a primeira guerra de Twila, ela nunca tinha visto tamanho horror. Sendo uma Alma da Natureza, é mais pacífica do que guerreira. Fiquei impressionada quando concordou em treinar os soldados, ela mesma teve de ser treinada. 

  — Eu sei. Por isso estamos aqui. Para acabar com essa carnificina sem fim. 

Ela esfrega os olhos, espantando as lágrimas.

  — Sim, por isso. — retomando sua pose, completa: — Vá descansar, deve estar exausta. 

A abraço e caminho até o dormitório.

        Beliches enfileirados em vários quartos. Deito no primeiro que vejo, fechando os olhos e tentando relaxar. Relaxe, Nix. Você precisa dormir.

        Insônia da guerra. 

        Depois de uma hora, desço da cama e lavo meu rosto no banheiro. Olho meu reflexo. As tumbas embaixo de meus olhos não ajudam a esconder minha cara de destruída. Minhas mãos tremem, minha visão fica turva. Preciso de café. E de um cigarro. 

        Com uma xícara quente em minhas mãos, encosto em uma árvore. O calor me acorda, mas não me tira o cansaço. Fecho os olhos por um minuto. 

  — Você está bem?

A observo. Cabelo colorido, pele manchada. Alma das Cores. 

  — Hum... Sim, mas quem é você?

  — Rainbow. De Niratus. 

  — Entende minha língua?

  — Já morei em Braza.

Desvio o olhar e bebo mais um gole. 

  — E você? Quem seria?

  — Ah, Nix. Exército sudeste de Braza. 

        Rainbow se encosta ao meu lado. 

  — Quer? — ela me oferece um cigarro — Parece estar precisando. 

Aceito sorrindo. A fumaça invade o ar. 

  — Parece cansada. Não gostaria de dormir?

  — Não consigo dormir. — respondo, seca  — Desculpe. Não queria ser grossa. 

  — Não esquenta. Tudo bem. 

        Dou mais um tragada e tusso. 

  — Não está acostumada, certo?

  — Certo. — ainda tusso — Difícil eu fumar. 

Rainbow expira fumaça. Ouço um grito agonizante vindo da enfermaria. 

  — Isso é horrível. 

  — Eu sei, mas... É a vida, certo?

Certo?

        Dou de ombros e meu comunicador toca. 

  — Hora de voltar. — apago o cigarro e jogo na lixeira.

  — Percebi. 

        Decoro seu rosto, e digo:

  — Bom papo.

  — Concordo. 

        Pego minhas armas.

  — Proteja seu exército, general. 

A Última AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora