Capítulo XXXIII

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        — Eura?— a Alma do Vento está parada atrás de mim — Eura? Disse algo errado? 

 — Não, nada errado.— esfrega os olhos e pigarreia— Não disse nada de errado. Nos vemos amanhã? 

 — Sim, claro. Nos vemos amanhã. Aqui mesmo? 

        Eura concorda e sai caminhando enquanto me viro e ando em direção à floresta. 


        O ar não permanece em meus pulmões. 

        Estou caindo, mas pouco me importa. Eu perdi a Twila. Perdi a Selene e a Lissa. E agora perdi a Eura.

        Ah, que se dane tudo isso, talvez eu não aguente. 

        Acho que posso cair.


        Estou atrasada, estou atrasada! Isso não é novidade, Nix. Se acostume.

        Eura está sentada no mesmo banco de pedra do dia anterior olhando para o mar.

 — Oi.— digo bufando e me apoio nas costas do móvel— Desculpe o atraso. Sempre acontece.

 — Tranquilo. Respire.— após alguns minutos, ela completa— Tudo bem com você?

 — Ah, sim. E contigo?

 — Tudo bem também. 

        Começamos a caminhar; o sol está novamente se pondo. 

 — Olhos da perda?

 — Hum?

 — Você disse que viu em mim os seus olhos da perda. Por quê?

 — Ah, isso... Eu perdi a minha irmã mais velha, Lune. Ela foi assassinada há alguns anos.

        A Alma do Vento se cala e olha para a lua.

 — E-eu... — ela abre a boca, mas não consegue falar. 

 — Você não precisa me contar. Parece que não está pronta. Além do mais, eu sou uma desconhecida. 

 — N-não, você não é. Sei seu nome, portanto não é mais uma desconhecida. E e-eu... Eu quero te contar. Você me dá uma sensação diferente, mais confortável. Eu quero te contar. Quero pôr isso para fora. Quero cicatrizar. 

Olho para ela e sorrio.   

 — Então confie em mim.

        Eura respira bem fundo.

 — A minha irmã caçula foi morta há dois meses, o nome dela era Áurea.— ponho a mão em seu ombro— Eu não consegui fazer nada... Estávamos tomando sorvete em uma praça e ela fez o vento cantar. Aí... Aí os humanos vieram, eu não tive tempo de fazer nada. Só escutei seu grito. Áurea era... Era a minha luz. Quando ela se foi eu fiquei abandonada na mais distante escuridão. Acho que ainda estou tentando sair dela. Não se passa um dia sem que eu me sinta... Culpada.

        Uma lágrima.

 — Olha... Sei que ela não te culpa, eu também sentia esse peso em meus ombros. Não sei como era a relação de vocês, mas pelo que me contou eram muito ligadas. A única forma de superar—  olho para a primeira estrela— é se lembrar dos bons momentos e aceitar.

        Então Eura me abraça e suspira novamente.


        Meus músculos adormecem quando caio na água gelada. Não quero emergir ou talvez eu tenha só esquecido de respirar. 


        — Você vai quebrar o pé, seus ossos estão velhos!—grito ao ver Eura rodar e rodar ao som do vento. Ela gargalha.

 — Não vou me quebrar, sossegue. Agora fique quieta.

 — O quê? Não, eu...

 — Shhh. 

        A Alma do Vento estende as mãos ao céu e a ventania aumenta, esvoaçando seu vestido florido num estilo hippie. O som. A música. O vento parece cantar.

 — Que lindo, Eura. 

        Ela pega uma fruta e se senta, ainda ouvindo a melodia. Então ri.

 — Como não conheci você antes?

        Dou de ombros.

 — Talvez não fosse a hora certa ou talvez a Mãe Terra apenas não quisesse.

        Me sento também e prendo meus cabelo num coque. Depois bagunço os dela sem cor. 


        Quero ficar parada, quero esquecer de respirar, quero só deixar tudo para lá. É pedir demais? Estou fadada à derrota. 

        Eu preciso nadar, devo continuar lutando, mas não tenho mais ar. A superfície está cada vez mais longe.

        Fecho os olhos e afundo, porque afinal, Eura não está mais aqui para me salvar.

        A minha Eura.

        A minha Eura que se foi. 



A Última AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora