Capítulo XXX

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        Levo três tiros nas costas. 

        Escuto o barulho, mas não sinto dor nem sangro. Estou alterada, poucas coisas ainda me importam, estou caminhando em direção ao meio da ponte entre a sanidade e a loucura.

        Os gritos de um batalhão inteiro sendo massacrado martelam em meus ouvidos, meus olhos quase nem piscam. Meu batalhão. Os jovens que eu treinei. Mortos, dizimados, destruídos. 

        Correr é um movimento automático, armar flechas já é um costume. Apertar o gatilho é uma coisa simples. Luto contra mim mesma, minha vontade é cair e deixar tudo rolar sem mim. 

        Arranco as três balas, o escudo formado pelo meu sangue me salva mais uma vez. Tremo a todo instante. 

        Por que a esperança cisma em permanecer em mim? Talvez eu seja mais humana do que pensei.

        Ou talvez não. 

 — Quantos quilômetros até a torre? — pergunta Selene, assim que entramos em uma base. Não me importa mais o número. 

 — Sessenta e dois.— respondo. 

 — Podíamos voar até lá.— propôs Lissa.

 — Seríamos abatidas.— corto, ríspida.

 — Foi só um palpite.

        Esfrego os olhos. 

 — Desculpe, é só... Eu sinto como se estivesse enlouquecendo. Estou com medo, não paro de tremer. É normal se acostumar com o barulho das balas? As noites de silêncio que tínhamos antes parecem outra vida, um sonho. Só que batemos a cabeça e acordamos.— faço uma pausa— E-eu estou caindo na escuridão. Tenho medo de não conseguir voltar. 

        Melody põe sua mão em cima da minha.

 — Você sente como se estivesse enlouquecendo.— repete— Nix, eu estou louca. Cada dia estou mais perto da ilha da insanidade e convivo com isso há mais de três mil anos. Sei que pode parecer o fim do mundo,— ela põe a mão em meu rosto— mas estamos fadadas à eternidade. Ter a sanidade rachada é comum, seus poderes de cura resolvem parte disso com o tempo. —Melody se vira para a frente—Se acostume com a ideia de viver com a perturbação te rondando. 

        Bebo mais um gole de café.


        Sessenta e dois quilômetros. Meus pés doem a cada passo que dou pela floresta, o atalho mais seguro. Pode ser que não seja, não existe nada muito seguro nos dias atuais. 

 — Onde está Evie?— pergunto a mim mesma.

 — Evie?— questiona Selene— A de cabelo azul?

Concordo.

 — Não a vejo desde o início da batalha...

 — Ah.— ela põe a mão em meu ombro, depois de um minuto pensando— Já entendi.

        Olho para o chão.

        Onde está a minha Evie?

 — Ela estava pronta para o campo de batalha, Nix. Não acho que tenha caído. 

 — Tento me convencer disso o tempo todo. 

 — Mesmo se alguma coisa acontecer com ela, — a Alma da Vida faz uma pausa— você vai ficar bem. Você sempre fica.

        A eternidade. A eternidade cura tudo. Curou a Catalina, curou a Violeta e ainda está curando a Lune. 

 — A vida vem embalada na morte. A cura acompanha a eternidade. 

        Um zunido, uma flecha, uma parada. Uma dor. Um último suspiro.

        Uma morte.

 — Selene!

        Um corpo jogado ao chão.   

A Última AlmaOnde histórias criam vida. Descubra agora