Capítulo XII

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        Noite de sábado. Eu estava completamente exausta depois do jantar, mas fui caminhando pela floresta sem rumo com a lua iluminando meu caminho.
        Sentei-me à beira do lago observando as estrelas e sorri.
Aí estava. Mais uma prova de que eu não era perfeita; não que eu precisasse de mais provas e esse era o problema. Aceitar, por completo, ser imperfeita e ainda por cima conseguir esconder da Grande Mãe. Eu era uma defeituosa ao meio de milhares, uma aberração ao meio de deusas perfeitas.
        Eu não entendia. Por que eu não era como as outras? Por que eu?
 — Argh. — atirei uma pedra no lago.
        Sempre soube que eu era diferente, nunca fui o que a Mãe Terra me fez para ser. Eu não entendia Seus propósitos, Seus valores. Almas não questionam a Mãe Terra, Almas não questionam seus deveres. Almas não sentem medo ou rancor, não criam afinidades pelos humanos. Almas são magia. Almas são puras. Almas são perfeitas.
        Perfeitas. Perfeitas. Perfeitas.
        Dei uma risada amarga e olhei para a tatuagem de lua em meu antebraço esquerdo. Depois, olhei meu reflexo na água. Eu aprendi a me amar, aprendi a ficar quieta. Aprendi que não sou perfeita.
 — Então, Mãe Terra? — chamei — Até quando vai fingir que não me ouve?
        Observei a água tremeluzir e aí a escutei. Aquela voz celestial, que transmite confiança e que jura, jura amar.
        Olá Nix. Como vai, filha?
        Hesitei.
 — Não achei que fosse me responder.
        Ela riu.
        Não costumo responder.
Eu quem o diga.
 — Eu sei.
Ausência de palavras.
        Então? Como vai o treinamento?
 — Você se importa? Me ignorou quando tentei te dizer que estava com medo. Por quê?
        A Mãe Terra não me respondeu.
 — Muito obrigada, Mãe.
        Deitei-me e sorri. Eu estava acostumada, as conversas rápidas eram as únicas. Ela não conseguia responder as perguntas de uma filha imperfeita.
        Chamas nasceram de minhas mãos. Elas eram tão lindas, tão vivas, tão... perfeitas.
 — Oi, Nix. — chamou Evie e olhei para cima.
 — Você me persegue de noite. — falei rindo e me sentei.

        Evie se sentou.
 — Digamos que poucas pessoas acendem chamas na floresta.
 — É, digamos que sim.
        Segurei sua mão.
 — Olhe isso. — concentrada, peguei um pouco de luz das estrelas em minha mão.
 — Posso tocar? — o brilho surgiu em seu olhar e eu soltei uma risada.
 — Pode tentar. É luz.
        Com a mão sobrando, ela tocou a energia em minha mão.
 — É... Quente.
 — É. Não dá pra encostar.
        Soltei e vi a luz se dissipar.
 — Você é diferente das outras. — falou.
 — Diferente? Diferente como?
 — Não sei, você... — ela se deitou — Você é mais humana.
 — Mais humana. — me deitei também.
 — É, não sei explicar, como você não parece que estou conversando com um ser mágico que já atravessou eras. Parece só... Uma humana comum.
        Dei de ombros.
 — Então somos duas humanas.
        Virei para olhar aqueles olhos cinzas brilhantes. Evie me olhou. E aí, sem pensar em mais nada, eu a beijei.
        Todas as lembranças sombrias, os pensamentos, os medos e as obrigações, tudo desapareceu naquele instante.
        Estar apaixonada era só mais um sintoma de ser imperfeita.

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