Caminos Cruzados

Capítulo 72 - Um anjo do Ben

~ Narrado por Ben Daniels.

Às vezes esqueço o porquê estou aqui.

Esqueço em que circunstâncias eu vim parar nesse mundo louco e injusto. Tenho raiva disso, odeio a forma que as pessoas reagem aos problemas, que se deixam envolver pelo pessimismo, pela maldade e pela negação.

Tudo seria tão mais fácil se eles conseguissem ser sinceros com eles mesmos.

Se houvesse menos orgulho e mais empatia.

Menos pessimismo e mais esperança.

Menos rancor e mais perdão.

Perdão sincero e não essa coisa que vocês gostam de chamar de 'Desculpa'. Essa coisa que vocês usam pra se sentirem menos piores quando fizeram alguma merda. "Desculpe, não imaginei que você se magoaria", "Desculpe, estou numa fase ruim", "Desculpe, não é nada com você. É comigo".

Minha vontade é alugar um carro de som e mandar todo mundo tomar no cú.

Vocês são tão hipócritas, tão prepotentes e injustos que não vêem um palmo a curta distancia. Francamente, deixam a desejar, como seres humanos. Como maridos, como irmãos, como amigos, como pessoas.

Passam na rua e fingem que não vêem o mendigo deitado com uma coberta, no frio, na chuva, vocês apagam isso das suas memórias. É inconsciente. Queria ter o poder de mudar algumas das suas fúteis atitudes.

Impossível.

Mas do que eu estou falando, a quem estou querendo enganar? Quem sou eu e o que me difere de você e sua existência repulsiva?

Eu queria saber.

Caralho, eu juro que queria.

A verdade é que desde que vim parar aqui não lembro com exatidão de como era antes. Eu não tenho família. Meus pais morreram cedo. Não tive irmãos. Não lembro de ter conhecido tios, primos, avós. Nada. Fiquei sozinho com a droga de uma casa caindo aos pedaços.

Quem sou eu?

Parecia que todo lugar que eu ia, tudo o que eu fazia, eu não era parte daquilo. Eu não era nada daquilo.

Eu via vocês indo e vindo, baratinhas tontas, fazendo seus trabalhos sem graça, comendo gorduras, abusando do álcool, dirigindo automóveis caros, ganhando dinheiro a rodo, mas nada daquilo enchia meus olhos.

Eu me sentia perdido.

Quem sou eu?

Quem fui no passado? Quem era no presente? O que me tornaria no futuro? Eu não sei.

Eu trabalhei como todo ser humano normal. Eu estudei numa escola pública, eu sofri bullying porque não me encaixava em nenhum grupo e, francamente, eu nem ligava. Eu estava vazio de sentimentos. O tempo passou, e eu comecei um curso de teatro. Era bom, me dava um certo prazer. Mas ainda assim... não era o bastante. Conheci pessoas legais, fiz "amizades", mas nada que eu fazia, ninguém que eu encontrava me deixava satisfeito com minha vida.

Aquilo não era eu.

Apenas... toda vez que eu chegava em casa, tomava uma taça de vinho e olhava o centro de Londres, eu pensava, quando vai acontecer?

Quando alguma coisa vai me balançar?

Quando minha vida vai acontecer?

Nada acontecia.