No terceiro dia em que meu pai não voltou para casa, ela não conseguiu mais esconder seus sentimentos de mim.
O sol estava quase se pondo, e ela estava arrumando sua mochila.
Entre seus movimentos apressados, eu pude ver a parte superior de uma garrafa de água, ao lado do cano de um revólver.
- Eu vou buscar seu pai. – disse, sua voz trêmula.
Colocando a mochila nos ombros, caminhou até onde eu estava, a dúvida visível em seu olhar. Ela estendeu a mão, hesitando, um objeto brilhando entre seus dedos.
Era a nove.
Ela esfregava a arma nas mãos, provavelmente se questionando se dá-la a uma criança de cinco anos seria algo inteligente ou terrivelmente estúpido de se fazer.
Ela acabou decidindo que era inteligente.
- Você lembra como usar, filho?
Acenei com a cabeça. Apesar de nunca ter disparado de verdade, eu me lembrava das aulas que me deram. Atirar dentro da cidade era perigoso. Os Surdos só praticavam tiro em noites de tempestade, quando o som se confundia com os trovões. E os projéteis tinham que ser cuidadosamente procurados, para que não sobrasse nenhuma evidência. Eles não se arriscariam tanto assim para ensinar tiro a um garoto de minha idade. Foi um grande erro deles, porque eu poderia ter ajudado mais do que imaginavam.
Ela ajoelhou à minha frente, fechando minhas mãos ao redor da arma. Mesmo pequena, era um monstro perto de meus dedos finos.
- Eu vou voltar logo. – ela falou, embora eu já soubesse dizer exatamente quando ela estava mentindo, porque ela sabia que estava mentindo – Mas, se eu não voltar até amanhã, eu quero que você corra. Se eu não estiver aqui quando o sol nascer, você deve pegar a mochila que deixei em seu quarto e atravessar a fronteira o mais rápido que puder. Se alguém for atrás de você, não importa quem seja, quero que mire e atire sem pensar duas vezes. Não atire na perna, nem no braço. Atire no meio do peito, está entendendo?
Ela pressionou minhas mãos com mais força ao redor do metal gelado e se levantou, forçando um sorriso.
Abriu a porta e a fechou atrás de si, sem se despedir.
Eu permaneci quieto, olhando fixamente para a maçaneta, desejando que ela girasse mais uma vez para que eu pudesse ver de novo o rosto de minha mãe. Eu sabia que era a última vez que eu a veria.
E eu nunca estive mais enganado.
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O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia Dantálion
Ciencia FicciónAntes de Dantálion, havia Iago. Tendo presenciado a execução cruel dos pais e carregando na pele as marcas do sofrimento, o menino precisa encontrar em si mesmo a força para decidir seu destino: fugir e esquecer o passado, ou buscar a vingança que c...