Segunda Pessoa

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- Dantálion?

Só sobramos eu e ele na sala.

Minha cabeça doía pelos golpes que me deram. Seis contra um era um tanto injusto, mas eu estava satisfeito por ver que tinham aprendido alguma coisa. Não pretendia ser tão violento o tempo todo, eu os estava testando. Mesmo assim, eles eram pessoas que provavelmente nunca haviam agredido alguém, e precisavam sentir como era. Precisavam vencer a barreira moral que os impediria de machucarem outro ser humano se quisessem sobreviver. E eu teria que me conformar em ser o saco de pancadas deles. Eu era o melhor candidato a isso, já que minha resistência à dor foi desenvolvida por anos.

Virei as costas para ajeitar minha máscara, passando os dedos por cada parte, conferindo se ela ainda estava inteira.

Nem mesmo um arranhão sobre a superfície lisa. A família de Laura fazia um bom trabalho, afinal...

Fechei os olhos por um segundo, empurrando o pensamento para longe.

Aquela máscara era uma parte de mim agora, mais fixa que minha própria pele.

Se alguém a quebrasse, eu o mataria.

E se alguém a fizesse cair, eu seria obrigado a pensar em algo mais sofisticado.

- Malphas, se não me engano... O grande corvo destruidor de muralhas... O que ainda está fazendo aqui? Eu mandei todos saírem. Não leve a palavra Surdo no sentido literal.

Ele me mostrou o punho. Estava segurando meu canivete.

- Se quiser me matar, já aviso que não é uma boa ideia. Os últimos que tentaram foram explodidos, e eram muito mais assustadores que você.

- Não quero te matar, seu idiota. Por que eu faria?

Dei de ombros. Havia dezenas de motivos que eu poderia listar para ele.

Ele se aproximou e me estendeu o canivete.

- Esta é a melhor lâmina que você tem?

- É claro que não.

É claro que sim.

- Porque é uma porcaria. Além de ser minúscula, está enferrujada e sem corte. Você tem mais chances de matar alguém de tétano do que de hemorragia com isto. Eu nem mesmo carregaria essa porcaria no bolso se fosse você. Vai acabar te passando alguma doença, se já não passou.

Eu conhecia aquele discurso. Só havia dois grupos aos quais ele poderia pertencer.

- Medicina ou metalurgia?

Ele riu. O sujeitinho conseguia ser tão irritante quanto eu.

- Eu tenho uma proposta para você, Dantálion... – ele fincou a ponta do canivete sobre a mesa. A lâmina estava tão cega que caiu assim que ele a soltou - Vou fazer para você uma lâmina de verdade, digna de ter esse nome. Só então veremos se você é tão bom quanto diz que é.

- Está me testando? – dei alguns passos, parando logo à frente de seu rosto – Porque eu garanto que poderia te matar com isto. – peguei o canivete – E poderia te rasgar ao meio com uma lâmina melhor.

Ele não se intimidou.

- Você fala como um assassino, mas não é um assassino.

O desgraçado me pegou.

- Você nunca matou ninguém, não é? Um assassino de verdade jamais teria coragem de sair por aí exibindo armas podres como as suas. Você não é um matador, você é um carniceiro. Só faz o que precisa para se safar, mas não tem coragem de matar alguém. Você provavelmente nem mesmo gosta de ferir. Adivinhei?

O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora