Treinamento

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- Bom dia, meninos. Dormiram bem?

Sua receptividade não lembrava em nada a fera da noite anterior.

Ela trazia uma bandeja com um pouco de pão e queijo. Não era da melhor qualidade, nem o suficiente para saciar nossa fome. Mas, diante das circunstâncias, eu devorei a refeição com vontade. Era uma das primeiras vezes em anos que eu podia comer algo que não havia sido tocado por Anton.

Lembrar o nome dele fez meu sangue arder.

Bruno não havia comido sequer uma migalha.

- Deve estar envenenado. – ele resmungou.

Eu dei de ombros e comi a parte dele também.

- Vocês podem usar o chuveiro dos fundos se quiserem, mas tomem cuidado com os fios, estão desencapados. – a voz de Laura desceu pelas escadas que desembocavam em nosso pequeno porão - Assim que estiverem prontos, subam para a loja. Precisamos discutir os termos de nosso contrato.

Cínica, irônica, desnecessariamente formal. Eu estava adorando aquela garota, e aprenderia tudo que sei com ela. Laura era um anjo durante o dia, e um demônio durante a noite. E, infelizmente, nossos treinos eram justamente à noite.

No primeiro dia, ela nos explicou o que planejava: iríamos ajudá-la com a loja e suas rotinas diárias, em troca de abrigo e aulas de combate. Parecia bastante justo para mim. Bruno, por outro lado, estava irritadiço. Qualquer detalhe era motivo para que ele se alterasse, e lá iam Bruno e Laura se espancando mutuamente. Ela era mais forte, claro, e ele sempre se dava mal.

Quanto a mim, eu os observava, tentando aprender alguma coisa. Aprendi um ou outro golpe. O que mais aprendi, porém, era que os dois eram perfeitos imbecis.

- Afaste as pernas e estenda os braços.

Eu ergui a pistola pesada o melhor que pude. Me sentia ridículo segurando aquilo.

- Afaste as pernas. – ela repetiu, chutando meu tornozelo.

Apertei os dentes. Não seria bom arrumar uma briga com uma pistola carregada nas mãos.

- Está enxergando o alvo?

O "alvo" era uma garrafa de vidro cheia de terra, apoiada sobre um relevo do terreno baldio que usávamos como campo de tiro. Era difícil vê-la com clareza, porque estava escuro. Por motivos óbvios, treinávamos somente de madrugada, quando ninguém poderia nos ver. Laura tentava nos convencer de que, se fôssemos bons durante a noite, seríamos os melhores durante o dia.

Apesar de o terreno ser isolado do resto da cidade, o som dos disparos ecoava como trovões pela distância. Não era motivo para nos preocupar, porém. Se eu ficasse em silêncio durante alguns minutos, sempre ouvia tiros sendo disparados em algum lugar. Eu torcia para que fossem apenas pessoas caçando animais na estrada. No fundo, eu sabia que não eram.

- Respire, e aperte o gatilho.

Mirei. Respirei. Atirei.

E um segundo depois estava gritando de dor, meu nariz sangrando.

- Pelo amor de Deus, Iago! Você precisa segurar o coice!

- Obrigado por me dizer só agora!

- Achei que você já tivesse atirado antes!

A gargalhada de Bruno chegou até nós. Ele estava embrenhado em algum canto. Atitude muito sensata em um campo de tiros.

- De novo. Dessa vez afaste a arma do rosto.

Estendi novamente os braços. Estavam tremendo.

- Pode parar aí. O que acha que está fazendo?

O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora