Asas

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Eu queria ter tido tempo suficiente para olhar para o corpo dela uma última vez.

Queria ter tido tempo para pelo menos ver a posição em que ela havia caído.

Queria ter tempo para me despedir, mesmo que à distância, mesmo que não pudesse tocar novamente seus cabelos macios, suas mãos quentes, seu rosto amável...

Mas, como eu já disse, o tempo é meu maior inimigo, e roubou Laura de minha vida antes que eu pudesse dizer metade das coisas que queria ter dito para ela.

E antes que eu tivesse qualquer tempo, a vidraça à nossa frente se tornou branca, estilhaçando em milhões de pedaços que caíram sobre nós como chuva cortante.

Os assassinos nos olhavam diretamente, apontando suas armas para nós.

- Corra, Iago!

Ele me soltou, me abandonando quase sem vida sob os cacos de vidro.

Meu corpo ainda estava anestesiado pelo sufocamento, e minha mente estava apagada, tentando ignorar a verdade que havia acabado de presenciar.

Desperte!

Um tiro acertou a parede atrás de mim.

Eles não iriam conseguir me atingir enquanto eu estivesse deitado, mas nada os impediria de subir para me pegar.

Desperte, Iago!

Um túmulo de vidro, como nas histórias medievais. Eu morreria ali, e aquele seria meu túmulo, pontilhado de cacos de vidro tingidos de vermelho... É uma imagem bonita...

Vamos, desperte!

Bruno correu para os andares de cima.

Isto não é hora de devanear! Levante e corra!

Me deixe morrer... Quantas vezes preciso repetir isso?

Vai aceitar ser morto pelas mesmas mãos que mataram Laura sem nem tentar se vingar? Este não é você.

Dane-se quem sou eu. Eu quero morrer. Não tenho motivos para continuar vivo.

Eu tenho.

Qual?

Retaliação. Sentir cada um deles morrendo entre nossos dedos. Não seria prazeroso?

Muito.

O que está esperando? Vamos matar todos!

Matar não vai trazer Laura de volta.

Nada vai trazê-la de volta, Iago. Ela está morta.

Eu também estou morto.

Não ainda. Você ainda tem uma escolha.

Que escolha?

Aceite sua impotência e morra como um covarde deitado nesse chão, entregando a deliciosa vitória nas mãos de seus inimigos...

Ou?

Ou prenda suas garras no pescoço deles e puxe-os para o abismo. Morra como um demônio, e arraste metade do mundo para o Inferno com você.

Eu ri, os cacos de vidro fincando em minha pele enquanto eu me apoiava sobre eles para me erguer.

Está bem. Eu aceito.

Uma descarga de adrenalina disparou todos os meus músculos ao mesmo tempo.

Eu estava de pé, minha mente subitamente límpida e desperta. Os pensamentos fluíam com lucidez. As extremidades de meu corpo respondiam com velocidade imediata. Eu podia sentir cada nervo percorrendo minha carne e se conectando a meu cérebro. Sabia onde estavam, e sabia suas funções, e podia controlar cada um deles com precisão.

O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora