Família

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- Está com fome?

Ela sentou ao meu lado, apoiando as costas na parede, e me estendeu uma embalagem de qualquer coisa que estava comendo. Peguei um punhado. Parecia serragem, e tinha gosto de serragem. Meu rosto deve ter me denunciado.

- O que é que vocês comiam na cidade de vocês para terem um gosto tão refinado assim, vossa alteza?

Balancei a cabeça, rindo.

- Que humor sombrio, garoto. Credo. Você devia se tratar.

- Ele comia comida normal. Legumes, carnes, grãos... Eu comia o que os outros não queriam.

Mentira. Eu tinha comida do Palácio, só não comia por causa de Anton. Como não estava disposto a explicar toda a história para ela, porém, me contentei com a mentira. De qualquer forma, eu me saía melhor mentindo do que dizendo a verdade.

- Deve ser por isso que você é magro desse jeito. Você devia se alimentar melhor, tentar ganhar alguns músculos... Se eu não tivesse te visto lutar, diria que até uma brisa poderia te dobrar ao meio. Mas, para ser sincera, sua força é bem impressionante para alguém de seu tamanho. Até agora não entendi de onde você tira tanta energia.

Sorri maliciosamente para ela.

- Você sabe a diferença entre uma espada e uma adaga, Laura?

- A diferença é que você não tem uma espada aí. – ela debochou.

Muito engraçado.

- Você tinha uma espada em sua loja. – retomei, ignorando a provocação - Uma lâmina muito boa, por sinal. Por que nunca praticamos com ela?

- Porque ela não serve. – seu olhar ficou sério. Laura não ria quando falava de suas armas – Aquilo era mais um enfeite do que qualquer coisa. É muito pesada, muito grande e difícil de manejar. É uma arma performática, você não pode andar por aí carregando uma espada do tamanho de seu braço pendurada nas costas. Simplesmente não funciona para se defender. Você pareceria um idiota andando com aquilo.

- Mas não pareço um idiota com isto.

Encostei a lateral de minha adaga em sua barriga.

Ela enrijeceu. Não havia notado que eu estava com a lâmina nas mãos.

- Eu poderia ter te rasgado sem que você percebesse que eu estava armado, e você sangraria até a morte antes de saber o que te atingiu, e não poderia fazer nada a respeito além de tentar fugir. Seria impossível fechar o corte, e seria impossível correr de mim. E mesmo que você conseguisse correr, eu teria rompido seu intestino, e seu corpo sofreria um choque tóxico em poucos minutos. Resumindo, você morre com um único golpe. Sutil e fatal. É por isso que adagas são melhores que espadas, mesmo sendo pequenas.

Laura só respirou no momento em que afastei a lâmina de sua pele.

- Acho que entendo seu ponto. – ela voltou a se ocupar com a comida – Você não gosta de aparentar a força que tem. É uma tática funcional, se quer saber. Já foi utilizada muitas vezes, principalmente por serviços secretos e operações especiais. Não funciona muito bem com exércitos, mas é útil para lutadores solitários.

- Elemento surpresa. – adicionei, girando a adaga em meu punho esquerdo – Eu não uso armas de distância, então preciso que meus oponentes se aproximem de mim. E é mais fácil se aproximarem quando me subestimam. Você faz o mesmo, eu percebi desde o início.

- Não faço de propósito. Todos pensam que eu não seria capaz de arrancar suas tripas só porque sou mulher.

- Eles não fazem ideia de como estão enganados. – ri.

O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora