O Auxiliador estava curvado sobre a pequena área lateral do Palácio, aproveitando a noite sem lua para pegar algumas ervas. Desde a infância eu conhecia sua rotina secreta, e ainda assim nenhum dos outros Auxiliadores nem a guarda havia percebido. Ou perceberam, e fingiam ignorar.
Ele se assustou ao ouvir meus passos. Olhou para todas as direções.
- Não se preocupe, Vero. Sua hora não chegou ainda.
Seus olhos apertaram. Ele continuava me procurando.
- Quem está aí? É você, Iago?
- Não.
Dei um passo à frente, aparecendo sob a penumbra das árvores que me escondiam.
Vero me encarava com espanto.
- Por tudo que é sagrado, garoto... Como você mudou! Eu mal te reconheci.
- É bom que não me reconheça. – continuei, mantendo meus olhos firmes nos dele – E é bom que nunca mais repita o nome que acabou de dizer, está entendendo?
Ele acenou, seu medo era quase tangível.
- Eu trouxe um presente para você.
Lancei para ele o pacote que eu tinha nas mãos. Ele o pegou, abrindo o saco plástico para ver o que tinha dentro. Suas mãos se moviam ansiosamente enquanto ele manuseava as embalagens de seringas, agulhas, medicamentos e outros utensílios médicos.
- Como conseguiu isto? Estávamos procurando há meses!
- Eu dou os meus jeitos.
Seu olhar voltou para mim. Desconfiado.
- O que você está querendo em troca?
Aquele riso me escapou involuntariamente mais uma vez.
- Eu sou tão previsível assim, Auxiliador?
- Previsível, não. Você é interesseiro. É diferente. Você nunca daria algo a alguém sem querer outra coisa em troca.
- Caridade é uma virtude para quem tem comida e tempo de sobra, Vero, e você sabe que eu nunca tive nenhum dos dois.
- E o que você quer? Se precisar de suprimentos, posso dar um jeito, mas não garanto muita coisa. A situação está bem complicada por aqui. Este ano o solo não rendeu nada.
Eu sorri, e meu sorriso o fez recuar sutilmente.
- Você sabe o que eu quero.
- Prefiro não saber.
- Eu quero informações.
- Que tipo de informações?
- Informações sobre ele.
- Não sei do que está falando.
Vero se fingiu de desentendido. Como um sujeito que mente tão mal podia escapar de Anton por tantos anos?
- Lúcio. Quero saber tudo que puder sobre Lúcio. O que tem dito, como se comporta, se já arrumou alguma confusão, como lida com os Auxiliadores, como lida com você...
Ele se tornou duro, seus olhos finalmente mostrando um traço de raiva.
- Já te disse para manter distância dele. Não sei que loucura está passando por sua cabeça, mas pode tirar isso daí. É insensatez. É suicídio. E mais do que isso, é colocá-lo em um perigo muito alto. Lúcio é uma criança, ele é mais jovem que você, e não estou disposto a deixar que nenhum dos dois se meta em problemas por causa de governo. Deixe-o em paz!
Limpei a garganta, impondo a voz mais cínica que consegui:
- Devo entender que você não precisa de uma fonte de abastecimento externo, então. – virei o rosto, fazendo que iria embora – Não precisa de uma parceria com os Surdos, nem para suprimentos, nem para proteção...
As mãos dele já estavam tremendo.
- E suponho, Vero, que você não tem nenhum interesse em manter seu pequeno segredo de Estado em fase de crescimento escondido, não é? Muito bem. Então acho que posso me retirar agora e pensar em uma estratégia de ação que não inclua sua proteção, nem mesmo a de Lúcio, já que ele será meu alvo pessoal. Eu não gosto de machucar inocentes, você sabe, mas infelizmente o garoto está no meu caminho, e eu terei que me livrar dele. Espero que não leve para o lado pessoal, eu provavelmente não terei muito prazer em fazer isso, talvez só um pouco... Se eu fosse você, aproveitaria cada segundo com ele como se fosse o último. Tenha uma boa noite, Auxiliador.
- Espere!
Não escondi meu sorriso de contentamento. Acertei em cheio.
- Está bem... – ele suspirou, apertando as mãos contra o rosto – Vamos fazer um acordo. Traga seus termos, e eu trarei os meus. Nada de trapaças. Eu posso muito bem te colocar em encrenca se eu quiser.
Ergui as sobrancelhas.
- O que vai fazer? Me denunciar para Anton? Como vai explicar o fato de um garoto com as pernas quebradas ter misteriosamente sobrevivido ao incidente sem ajuda médica? O sujeito pode ser um cretino, mas não é idiota. Ele vai te pegar na hora. E você sabe que não é capaz de mentir para mim, muito menos para Anton.
Ele me observava com irritação. Um estalo sobre as folhas o fez virar para trás, alarmado. Suspirou ao confirmar que estávamos sozinhos.
- Um acordo... Espero que você tenha exigências razoáveis, garoto. Nos encontraremos na base da medicina, em três dias. É um prazo bom para você?
- Muito bom.
Virei as costas para ele sem me despedir. Mal tinha dado dois passos quando sua voz fraca me alcançou:
- Bernardo vai ficar feliz de saber que você voltou.
Paralisei, sem acreditar no que acabava de ouvir.
Era como se o planeta de repente começasse a girar para o outro lado.
- Ele... Está aqui? Vivo?!
- Sim. Ele chegou faz uns quinze dias. Eu perguntei de você, mas ele me assegurou que você estava bem e estaria de volta logo.
Apertei os punhos, segurando com toda a força para não esmurrar a primeira coisa que pudesse alcançar, que seria Vero.
- Diga a ele que me encontre amanhã à noite. Ao lado do poço. Tenho um assunto pendente a resolver com ele.
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O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia Dantálion
Science FictionAntes de Dantálion, havia Iago. Tendo presenciado a execução cruel dos pais e carregando na pele as marcas do sofrimento, o menino precisa encontrar em si mesmo a força para decidir seu destino: fugir e esquecer o passado, ou buscar a vingança que c...