- Você realmente quer morrer!
Bruno estava irritado. Muito irritado.
- Primeiro dia aqui fora, e você já me faz isso! O que está pensando?! Isto aqui não é o jardim de casa, Iago! É perigoso!
- No jardim de casa eu tenho pessoas querendo me matar. – retruquei com impaciência – Não tente me dizer o que é perigoso e o que não é!
- Você é uma criança, e vai me obedecer, está ouvindo?! Não pode sair sozinho! Eu te disse para ficar no carro, seu idiota! Você não conhece este lugar, e não conhece os perigos daqui. Pare de ser arrogante e me obedeça, antes que algo ruim aconteça conosco!
- Você não é meu pai!
A frase saiu sem pensar.
Ambos nos calamos de imediato.
Nenhum de nós tinha pai, e não precisávamos lembrar disso, muito menos da maneira rude e insensível como eu havia acabado de fazê-lo lembrar.
Nós tentávamos suprir nossas ausências mutuamente. Não tínhamos amigos, parentes ou conhecidos em quem pudéssemos confiar. Éramos só nós dois, e confiávamos somente um no outro.
E eu tenho o dom de ferir as poucas pessoas que confiam em mim.
- Você é mais irritante que uma erva daninha, Iago. – ele levou as mãos à testa – Você é como aquelas malditas flores que aparecem de noite, estragando todo o trabalho do dia anterior. Eu não sei por que eu concordei com isto. Você vai acabar nos matando.
Uma lágrima tentou escapar, mas a reprimi antes que chegasse a meus olhos.
Não poderia dizer que ele estava errado em nenhuma de suas colocações. Eu mesmo já havia entendido faz tempo o meu papel: eu era a erva daninha.
Eu era o incômodo. Era o fardo que os outros tinham que carregar constantemente. Minha existência custava caro a todos, menos a mim. E eu vivia irresponsavelmente, buscando o perigo, buscando contrariar tudo que me aconselhavam a fazer. De propósito.
Por que eu fazia isso? Não sei ao certo. Ainda era muito jovem, e já tinha ódio suficiente para preencher vinte vidas miseráveis. Eu queria provar a todos que não me importava comigo mesmo, que não valorizava minha saúde nem minha vida. Queria mostrar a todos que eu não tinha medo de morrer. Pensava que, talvez assim, pudesse me redimir, pedir as sinceras desculpas por ser um peso. Mas acontecia o contrário, e eu só causava mais sofrimento e mais problemas.
Bruno levou as mãos ao quadril, olhando em volta.
- Você só queria ver o mar, não é?
Não respondi.
Ele me tomou pelo braço.
- É difícil ver o mar à noite.
Ele me puxou pelo braço até que pudéssemos enxergar o horizonte.
Só então eu tive a verdadeira noção do que era aquilo que observei a noite toda. Era dezenas de vezes maior, e dezenas de vezes mais bonito, e dezenas de vezes mais assustador.
Ele não parou de caminhar, me puxando pela areia.
- O que você está fazendo?
- Eu conheço você, e sei que não é do tipo que só olha.
A água já estava chegando perto. Meu coração disparou.
- Isso não é perigoso? O que você vai fazer?!
Ele soltou uma gargalhada alta.
- Olhe só quem está com medo! O que houve com toda sua coragem, carpinteiro?!
Travei os pés, o que não funciona muito bem na areia. Ele continuou a me arrastar.
A primeira onda me atingiu. Fria.
- Já está bom. Pare.
Ele riu novamente.
O monstro estava logo diante de mim, pronto para me devorar, seu rugido assomando em meus ouvidos. A água já estava em minha cintura.
- Bruno!
Ele me empurrou, me fazendo cair.
A próxima onda passou diretamente por cima de minha cabeça.
Em pouquíssimo tempo, eu aprendi várias coisas sobre o mar. Aprendi que ele é profundo, e que é frio, e que é desnorteador.
De certa maneira, o mar se parece bastante comigo.
Rolei com a onda, o sal queimando meus olhos e nariz. Eu teria perdido a noção de onde estava a superfície, se não fosse por ter batido o queixo com força no fundo, a areia áspera aumentando ainda mais o ardor. Não consegui me levantar, os pés falhando repetidas vezes.
Malditas pernas quebradas!
Foi Bruno quem me levantou, com um sorriso idiota nos lábios.
- Bem feito.
Eu teria arrebentado sua cara, se outra onda não tivesse arrebentado em mim primeiro.
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O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia Dantálion
Science FictionAntes de Dantálion, havia Iago. Tendo presenciado a execução cruel dos pais e carregando na pele as marcas do sofrimento, o menino precisa encontrar em si mesmo a força para decidir seu destino: fugir e esquecer o passado, ou buscar a vingança que c...