Caminhamos em silêncio até que o sol esticasse seu rosto pálido para nos ver. Só então as estruturas confusas começaram a tomar forma diante de nossos olhos. O chão era coberto por um tipo diferente de pedra, totalmente trincado e seco. Eu me abaixei para tocar o solo. Era áspero, e quente.
- Dizem que isso se chama asfalto. – Bruno comentou, olhando fixamente para o horizonte.
- Como ele nasce?
- Não nasce, seu tonto. É feito por pessoas. Elas pegam máquinas e jogam um líquido em cima da terra, e então ele seca, e fica duro desse jeito. Ou pelo menos era assim que costumavam fazer...
- E para que serve cobrir o chão com isso?
- Carros.
- Carros?
Ele apontou na direção em que estava olhando. Havia alguma coisa estranha ali.
Ele avançou, e eu o segui.
A coisa estranha não passava de um monte de metal retorcido, num tom enferrujado e triste. Bruno se aproximou mais e abriu vários compartimentos, examinando seu estado.
- Estamos com sorte. – comentou, sorrindo, enquanto dava um tapa no metal, que por um milagre não desmontou em pedaços menores – Uma belezinha de energia solar, e está funcionando!
- Você sabe o que é essa coisa?
- Claro que sei. Já andei muito nisso.
Eu continuava a observar aquela pilha de metal, largada depressivamente sobre o asfalto.
- Andou?
- Será que vou ter que te ensinar tudo? – ele reclamou, entrando num dos compartimentos e pressionando alguns botões. O metal estremeceu e se iluminou, soltando um zumbido grave e assustador.
Inconscientemente, eu entrei no outro compartimento. Minhas pernas tremiam.
Bruno remexia todos os anexos interiores do carro, pressionando um botão aqui, girando uma chave ali, dando tapinhas com os dedos sobre alguns painéis de vidro para verificar se estavam dizendo a verdade. Eu o observei. Ele parecia mais habituado àquilo do que à sua própria enxada.
- Você já esteve aqui fora, seu infeliz?!
- Claro. Você acha que Vero te deixaria sair sem alguém experiente para te guiar?
Desviei os olhos pela janela do meu lado, travando os dentes para conter os xingamentos que queriam escapar. Não consegui.
- O que foi aquele drama na fronteira, seu mentiroso de merda?!
Ele riu, mas seus olhos se mantiveram sérios.
- Não importa quantas vezes você desobedeça à lei, isso sempre assusta. E, para mim, parece que quanto mais atravesso os limites, mais medo sinto. É como acumular uma dívida, sabe? Errar uma vez é perdoável, mas repetir isso dezenas de vezes é pedir para se ferrar. Deveria ter o efeito contrário, mas não funciona assim comigo. Não que você entenda muito disso, claro, você tem tantos sentimentos quanto este carro. – ele deu um tapa em meu peito da exata maneira como havia batido na lataria - E eu também me senti um pouco pior por ter você do meu lado. Me senti... Responsável por você. E isso me assusta um pouco. Você não tem medo? Nem mesmo um pouco, garoto de metal?
Ignorei a ponta de tristeza que a provocação havia espetado em meu peito. Se ele realmente me enxergava como feito de metal, eu não sei. Mas sei que eu estava bem longe de ser isso. Eu estava mais para um garoto de madeira, como aquela história do menino com nome estranho que queria ser de verdade. O que temos em comum é que somos dois grandes mentirosos. O que temos de diferente é que ele realizou seu sonho, enquanto eu serei comido pelos cupins, meu coração mofado e empenado como uma tábua podre antes que possa me sentir real.
- Tenho mais medo desse troço do que de qualquer outra coisa.
Ele puxou uma alavanca no teto, e a vibração que se espalhava pelo veículo inteiro se concentrou repentinamente apenas na parte inferior. Era como se estivesse vivo. Eu jurava que podia sentir as pernas daquele carro.
- Então sugiro que coloque o cinto, porque vamos correr.
- Vamos o quê?
Em um segundo, estávamos voando em direção ao horizonte, meus pulmões tendo ficado perdidos em algum lugar da estrada.
Sejam bem-vindos ao futuro (ou ao que restou dele)
😉
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O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia Dantálion
Science FictionAntes de Dantálion, havia Iago. Tendo presenciado a execução cruel dos pais e carregando na pele as marcas do sofrimento, o menino precisa encontrar em si mesmo a força para decidir seu destino: fugir e esquecer o passado, ou buscar a vingança que c...