O mapa instalado na moto piscava uma luz vermelha, indicando que havia uma cidade por perto, embora não oferecesse nenhuma informação sobre ela.
Retorci os lábios diante da ideia de visitar mais um lugar bizarro e desconhecido. O que eu mais desejava era manter uma distância mínima de quilômetros de qualquer ser humano.
Seres humanos são perigosos, e eu já estava farto deles e de suas atitudes traiçoeiras. Uma cidade era o último lugar ao qual eu gostaria de ir naquele momento.
O sistema eletrônico sob mim, porém, discordava, e sinalizava alegremente a presença da cidade, como se eu fosse correr para ela de braços abertos.
O sujeito que programou essa porcaria devia ser um idiota ingênuo.
Olhei novamente para o painel, a seta vermelha piscando freneticamente, apontando para o leste.
Tenho um péssimo pressentimento quanto a isto...
Você não está em condições de ser exigente. Vá logo.
Estava anoitecendo, e eu tinha praticamente esgotado a bateria sem parar por um minuto. Além da luz vermelha que deveria me guiar, o painel também emitia um aviso sonoro num intervalo de tempo cada vez menor, lembrando que a segurança do veículo poderia ser comprometida pela falta de energia, e que, portanto, os comandos seriam automaticamente travados quando a carga atingisse menos de cinco por cento.
Como eu não podia carregar um motor de engenharia solar durante a noite, era evidente que eu estava com problemas.
Desliguei os sistemas secundários. Talvez tivesse o bastante para chegar à tal cidade.
Não era só a moto que precisava recarregar. Eu precisava dormir. E comer. E beber.
Se eu fosse um motor elétrico, certamente meus músculos já teriam sido travados. Cinco por cento era muito mais do que eu tinha de força restante. Por sorte, engrenagens biológicas não são tão seguras quanto eletrônicas, e eu poderia continuar caminhando enquanto ainda houvesse alguma fibra em meu corpo para ser consumida. Eu poderia caminhar até tombar com o rosto no chão, morto. O único aviso sonoro que eu receberia seria meu coração falhando até parar.
Não deixarei isso acontecer. Concentre-se em seu objetivo.
Conferi a arma que estava em meu bolso.
Ela tinha uma mancha de sangue que recobria todo o tambor, resquício de seu último dono, que ainda a segurava firmemente nas mãos, mesmo depois de morto. Aquele cretino se agarrou à arma como se fosse sua vida, e eu quase tive que quebrar seus dedos para arrancá-la dele.
Um calafrio percorreu minhas costas quando posicionei um dedo sobre o gatilho.
Eu podia jurar que ouvi aquela arma sussurrar para mim, como se o espírito do soldado da Mão Direita estivesse incorporado em seu cano de metal.
"Você será o próximo a morrer com os dedos cravados em mim."
Concentre-se. Está começando a delirar de novo. Controle sua mente.
Não gostava de armas, e continuava sendo péssimo de mira. Os últimos eventos, porém, foram mais que suficientes para me ensinar que uma arma destravada pode ser a diferença entre a vida e a morte.
Guardei o revólver no bolso lateral, de fácil acesso.
Já que eu tinha passado por tantos problemas para chegar até aqui, queria mandar a morte para o Inferno. Ela que viesse me pegar, e acabaria com uma bala no meio da testa.
A morte que eu esperava encontrar, é claro, viria na forma de um rosto humano, e seria na testa de uma pessoa que eu teria que atirar. Eu tentava não pensar muito a respeito. Sem moralismo. Sem ética. Se um de minha espécie cruzasse meu caminho, eu o mataria sem hesitar. Não há escolha.

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O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia Dantálion
Science FictionAntes de Dantálion, havia Iago. Tendo presenciado a execução cruel dos pais e carregando na pele as marcas do sofrimento, o menino precisa encontrar em si mesmo a força para decidir seu destino: fugir e esquecer o passado, ou buscar a vingança que c...