A poeira girava em redemoinhos.
O giro interminável daqueles grãos insignificantes me prendia. Eles se moviam de acordo com minha respiração, e eu sabia que inalava alguns deles, mesmo sem perceber.
Para cima... Para baixo... Estático quando eu segurava a respiração, vivo quando eu expirava. Aquele movimento inútil era como um parasita que dependia de minha energia para existir. Invisível no escuro, subitamente brilhante sob a luz... Eu poderia passar minha vida inteira olhando para a poeira, esquecendo as coisas que não eram poeira.
Fazia mais sentido que minha existência. Parecia mais importante do que tudo que eu já havia experimentado.
Qual o sentido da vida? Eu não tenho certeza. Mas acho que observar grãos de poeira é um melhor candidato para isso do que observar pessoas amadas tendo a nuca atravessada por balas de fuzil. Faz mais sentido. É menos cruel. É menos injusto. É menos insuportável.
Um punhado de partículas de pó, suspensas no ar, visíveis apenas através de um raio de sol sem calor algum que entrava por um buraco numa das janelas, também cobertas de poeira...
De onde vieram? Do que eram feitas?
Poderiam ter sido parte de algo enorme, como prédios, automóveis, rochas gigantescas. Poderiam ter sido parte das mais belas paisagens, como o mar, o rio, a montanha. Mas eu sabia melhor do que ninguém do que eram feitas as partículas dançantes que eu observava.
Eram feitas de pessoas.
Eram feitas da pele, das unhas e dos cabelos. A cada dia meu corpo soltava milhares delas, milhares de pedaços mortos de mim mesmo. Milhares de partes que um dia foram importantes, e agora seriam somente inúteis como poeira suspensa num raio de sol.
E ainda assim aquele pó parecia mais inteiro que eu.
Tudo que existe está fadado a caminhar lentamente em direção à ruína. As estrelas e os grãos de poeira que eu observava eram iguais em essência, diferentes só na escala. Mas eram o mesmo. Apenas pó. Apenas um momento de dança efêmera antes que seu tempo lhes fosse tirado. E quanto a mim, que tinha os olhos imóveis no movimento, não era superior a nada daquilo. Tão insignificante quanto poeira. Tão efêmero quanto o mundo. Tão disperso e arrastado pelo vento quanto aqueles restos de pessoas.
Se até as estrelas um dia morrem, quem eu pensava que era para desejar a eternidade?
A eternidade que eu desejava não era minha eternidade. Eu não desejava nem ter nascido, para ser sincero. A eternidade de que falo é aquela que todos secretamente desejam mais que a própria vida: a eternidade dos outros.
Eu nunca quis ser eterno. Eu quis que Laura fosse eterna, assim como quis que minha mãe fosse eterna, e que a estadia no mar fosse eterna, e que aquele momento quase feliz de minha vida fosse eterno.
Mas eu jamais teria isso, porque a eternidade é como poeira: ela desaparece quando o raio de luz é apagado, e se afasta de seus dedos assim que você estende a mão para tocá-la.
A eternidade é uma ideia ilógica, irreal e dolorosa. A imaginação humana conseguia nos torturar com a crença de que algo poderia durar para sempre. É como colocar uma porção de carnes suculentas diante de uma criança que morre de fome, e lhe arrancar todos os dentes. É só o desespero. Só a tentativa de morder e digerir algo que jamais será alcançado. Seria melhor morrer de fome sem ter visto a comida, e por isso acredito que seria melhor ser humano se jamais tivéssemos inventado essa grande mentira de eternidade. Ela só serve para machucar.
Mas a mentira é tão antiga, que já faz parte de nós mesmos. Uma maldição que se agarra a nossos ossos e nos puxa para o abismo. Se não fosse a mentira, eu teria menos dificuldade para lidar com a verdade diante de meus olhos estagnados.
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O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia Dantálion
Science FictionAntes de Dantálion, havia Iago. Tendo presenciado a execução cruel dos pais e carregando na pele as marcas do sofrimento, o menino precisa encontrar em si mesmo a força para decidir seu destino: fugir e esquecer o passado, ou buscar a vingança que c...