Membros

84 17 11
                                    

Alguns meses depois já tínhamos cinco membros, além de nós mesmos. Nenhum deles havia sido convocado por mim, o que significava que eu não sabia seus nomes, aparência, idade ou intenção. Bruno os havia chamado, utilizando seus métodos duvidosos. Eu preferia que fosse assim. Quanto menos soubesse deles, melhor. E quanto menos soubessem de mim, mais chances teríamos de fazer aquela ideia insana dar certo.

A verdade é que eram um bando de inúteis, eu pude perceber desde o início. A coragem deles acendia fácil, e eu podia inflamar seus corações com algumas palavras mais calorosas, assim como os via tremer e vacilar diante da mais simples ameaça. Eram fracos e indecisos, e eu não poderia exigir que fossem como eu. Seria impossível, de qualquer maneira, a menos que tivessem passado por tudo que passei e sobrevivido inteiros, milagre que nem eu mesmo conseguia explicar.

Precisei ser franco comigo para admitir que eu nunca quis membros muito inteligentes. Bruno era razoavelmente próximo de meu nível, o que já me preocupava bastante e me forçava a vigiá-lo de perto. Surdos mais inteligentes que eu seriam facilmente guiados para a insubordinação, e me trariam problemas inimagináveis.

Era uma perspectiva desanimadora.

Eu sonhava com um grupo baseado em ideais de igualdade e liberdade, autonomia e autogestão, que não necessitasse de líderes ou guias para lhes dizer o que fazer. Mas eu sabia que esse sonho estava muito longe de ser possível. Se eu desejasse completar meu plano, teria que seguir métodos mais rígidos para controlá-los, e manter alguns detalhes escondidos.

Seres humanos são assim. Eles dizem que vão se sacrificar lealmente por você, mas disparam para a direção oposta assim que enxergam o tamanho da onda que está vindo contra eles. Era desonesto de minha parte, mas eu escolhi fechar os olhos deles para o oceano de sofrimento que já assomava sobre nós. Do que os olhos não veem, as pernas não tentam fugir. E eu não podia correr o risco de ter dissidentes.

Por isso sempre tive muito clara a decisão de não contar meu verdadeiro plano, aquele que envolvia transformar o Sacerdote em um de nós e usá-lo para manipular o Palácio por dentro. Contar a eles seria cavar minha própria cova. Se eles não me matassem, matariam Lúcio com toda certeza, e, mais uma vez, era um risco que eu não estava disposto a correr.

Sendo esse o caso, era bom que não fossem muito inteligentes. Eu os treinaria para o combate, e os prepararia do mesmo modo como fazíamos na Capital. Eu os manteria tão ocupados que eles nem mesmo perceberiam que eram só uma reserva humana, o reforço, para quando meu plano original falhasse.

Meu plano tinha mais chances de falhar do que de funcionar, eu sabia.

E justamente aí está o melhor motivo para não dizer a eles.

Se eu fosse sincero, eles me abandonariam. Se eu mentisse, talvez me tornasse responsável por uma nova Limpeza, e carregasse nas costas o peso da morte de mais algumas dezenas de pessoas.

Lembra quando falamos de escolhas? Pois bem... A maioria delas é bem ridícula. E as que não são ridículas costumam ser cruéis. E eu sempre fui mais ridículo tentando dizer a verdade do que mentindo, então minha decisão já parecia mais do que óbvia.

Eu e aquele garoto de madeira tínhamos muitas coisas em comum. Na minha história, porém, os céus não se abririam para deixar descer uma divindade que me libertaria assim que eu aprendesse a ser um bom menino e resolvesse meus problemas de caráter. Na minha história, eu continuaria mentindo e trapaceando para me manter vivo, e nenhum ser fantástico apareceria para segurar a lâmina da guilhotina antes que ela decepasse minha cabeça.

Essa é a única diferença entre contos e a realidade. Os contos terminam antes que cheguem na morte de seus personagens. A vida real...

Os cinco tentavam esconder os tremores, acreditando que eu não notaria. Seria impossível não notar. Suas túnicas roçavam sobre a mesa de madeira, e eu podia ouvir do outro lado da sala. Eram dignos de pena.

O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora