Máscaras

90 24 77
                                    

O dia seguinte foi de quarentena para nós três.

Bruno contava com dois dedos quebrados e uma perna torcida.

Laura tinha hematomas por todo o corpo, inchaços no rosto e um corte no braço.

E eu...

Eu estava sentindo que meu cérebro havia finalmente dado as caras de sua insanidade.

Fiquei quieto enquanto Laura passava os medicamentos e enrolava ataduras por meu corpo. Não tive coragem de perguntar ou comentar sobre o ocorrido. Se abrisse minha boca, corria o risco de deixar minha consciência escapar com a mínima palavra. Também não tive coragem de olhar em seus olhos, nem ao menos uma vez. Se eu rasgasse meu peito e deixasse que ela visse meus órgãos internos, estaria menos nu do que estava naquele momento.

Existem coisas que nunca devem ser mostradas a ninguém.

Aquilo era uma delas.

Quando ela terminou comigo, começou a cuidar de si mesma. O corte em seu braço era profundo, apesar de não estar mais sangrando. Eu não me lembrava de tê-la cortado, mas com certeza a ferida tinha o exato formato da adaga que estava em minhas mãos na noite anterior. Apertei os dedos contra as coxas. O que mais eu poderia ter feito no surto?

- Você não tem AIDS ou nada do tipo, tem?

Pisquei várias vezes.

- Por que raios de motivo eu teria AIDS?!

- Sei lá... Você é esquisito, e vem de um lugar esquisito. Nunca se sabe...

Por debaixo de seu rótulo de brutalidade, Laura era extremamente sensível e empática. Para ela, pessoas eram tão fáceis de ler quanto os livros em seu porão, bastava folhear algumas páginas. E a cretina havia aprendido a ler minha personalidade.

Ela não estava nem um pouco preocupada em saber se eu poderia contagiar seu sangue com alguma doença, esse é o tipo de coisa que se pensa antes de deixar um estranho entrar em sua casa, não depois. Na realidade, ela apenas queria me arrancar para fora de meu silêncio, e sabia que eu respondia melhor a perguntas embaraçosas do que a qualquer questão que fizesse sentido. E eu, com meu autocontrole invejável, caí em sua armadilha.

- Devia ter pensado nisso antes de deixar que todos usassem sua adaga.

- Claro, garoto. Da próxima vez eu peço um exame de sangue antes de alguém me golpear. Faz muito sentido.

Fechei os olhos. Estavam doendo demais.

- A culpa é sua de deixar os outros tomarem suas armas.

- Falou o cara que perdeu a lâmina no primeiro golpe.

- Terceiro. Foi no terceiro.

Ainda de olhos fechados, senti quando ela colocou as mãos ao redor de meu rosto.

- Me desculpe por ter sido tão dura com você, Iago. O que eu fiz foi horrível.

- Pensei que fosse me matar. – sussurrei, sentindo meu rosto esquentar nos locais em que ela me tocava.

Abri os olhos. Os dela estavam bem diante dos meus, claros como o dia, tentando devorar minha alma.

- Me desculpe por ter te machucado também, Laura. Acho que exagerei.

Toquei as pontas dos dedos levemente sobre os hematomas em sua pele.

- Não precisa pedir desculpas, eu te obriguei a fazer isso.

Ela soltou meu rosto, e eu o cobri com as mãos.

- Você sabe o que fez comigo, não sabe?

- Eu sei... – ela passou os dedos por meu cabelo – Eu te fiz lutar contra você mesmo, e sei que foi difícil, porque você é muito mais forte do que pensa que é.

O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora