Pesadelo

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Uma mochila. Um revólver. Uma dúzia de balas. Um canivete enferrujado. Três garrafas de água. Dois pacotes de pão. Antissépticos. Analgésicos. Antibióticos. Curativos. Uma lanterna. Um daqueles aparelhos que todos tinham na Satélite Dois. Mais algumas provisões...

Enfiei o máximo que pude na mochila e subi na moto, tomando o último gole da garrafa de vodka que tinha encontrado nos escombros do mercado. Pelo menos o álcool tinha sobrevivido às pilhagens dos cães.

Joguei o vidro vazio na beira da estrada e ri sozinho.

Pilotar bêbado não era algo muito inteligente de se fazer, mas não é todo dia que se encontra uma garrafa sem ter que pagar uma fortuna. Era um prazer que eu não estava disposto a desperdiçar, assim como não desperdicei a comida nem as roupas que encontrei. Eram minhas agora. Tudo que eu encontrava era meu.

O mundo não pertence a ninguém quando não há punhos para dizer o contrário.

Olhei para o horizonte, de onde brotavam nuvens escuras e carregadas de eletricidade.

Com Ordem ou sem Ordem, eu não poderia me abandonar numa cidade qualquer enquanto tinha um objetivo a cumprir.

Não me importava como eu faria, nem mesmo me importava se eu seria executado assim que pisasse meus pés lá dentro. Com Bruno e Laura mortos, eu não tinha nada que me prendesse ao lado de fora. Agora que meu pouco amor já havia sido esmagado, minhas amarras seriam apenas o ódio e o desejo de me vingar. Não eram sentimentos nobres, e por isso eles combinavam perfeitamente comigo.

Eu não me preocuparia mais em controlar minha vida. Cedi completamente ao demônio dentro de mim. Eu estaria satisfeito em realizar seus desejos, que incluíam incitar uma rebelião, espalhar o caos social, estrangular Anton até a morte e incendiar o Palácio com todos os seus habitantes dentro, não necessariamente nessa ordem.

Se eu tivesse asas, não seria menos prisioneiro. Elas estariam atadas aos dedos dele.

Os painéis da moto refletiam minha imagem. Os últimos traços de Iago haviam desaparecido por completo de meu rosto.

Meu cabelo já cobria a orelha dilacerada e boa parte de meus olhos. Eu estava mais magro, mais pálido, e com manchas escuras sob as pálpebras. Meus lábios haviam aprendido uma porção de expressões sádicas. Eu tinha uma para cada ocasião.

Fechei o último botão da camisa, escondendo alguns centímetros da cicatriz mais alta que às vezes aparecia sob as roupas.

Era isto então que significava ser adulto:

Tornar-se um monstro.

Eu sorri, girando o acelerador com força e deixando seu rugido preencher o silêncio.

Não tinha mais medo de encontrar meus pesadelos.

O pesadelo era eu.

O pesadelo era eu

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O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora