Insano

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- Você é louco. – ele sussurrou no escuro, com metade do rosto escondido sob o cobertor – Ela sabe sobre a cidade, sabe sobre os Surdos, e agora nos prendeu aqui. E se ela entrar em contato com eles e nos delatar?! Isso é muito perigoso!

- Como é que ela vai entrar em contato com uma cidade sem contato com o mundo exterior, idiota? Ela não está querendo nada disso, ela tem outro motivo para nos manter aqui.

- Como você sabe?

- Dá pra ver nos olhos dela.

- Você se acha demais...

Ele suspirou, olhando para o teto.

Estávamos próximos, sobre o chão frio. O cobertor fino que ela nos deu mal era suficiente para nos manter aquecidos. E é claro, eu não dividiria a mesma coberta com ele. Então me resignei a ficar sentado com as costas apoiadas na parede enquanto ele cobria o rosto inchado com a colcha.

Idiota.

- Qual você acha que pode ser o real motivo? – ele murmurou.

- Bastante óbvio. Ela é uma garota sozinha, com uma loja lotada de armas no meio de uma cidade violenta cheia de homens que matariam para roubar o que ela guarda aqui. E a família dela provavelmente morreu recentemente. Ela nos quer por perto por proteção.

Ele voltou os olhos apertados para mim.

- Como você pode saber de tudo isso só de olhar para ela?!

- Não é só de olhar. Você não prestou atenção ao que ela disse? Ela disse que vendiam muitas armas para os Surdos, no plural, o que significa que mais alguém trabalhava aqui. E os Surdos desapareceram há mais ou menos seis anos, o que significa que, quem quer que vivia aqui com ela, morreu ou desapareceu nesse meio tempo.

- Caramba, você é...

- Se me chamar de precoce mais uma vez, eu te arrebento.

- Eu ia dizer que você é muito inteligente.

Admito que desviei o rosto para disfarçar a vergonha. Ninguém jamais havia me elogiado antes, e eu nem sequer sabia que tipo de reação era esperada de mim. Fiquei aliviado quando Bruno prosseguiu seus questionamentos:

- E o que isso tem a ver com nós dois? Se ela é tão boa de briga como diz, então por que ela precisa de dois inúteis como nós?

- Ela não precisa de nossa força, ela precisa de nosso gênero.

- Como assim?

- Somos homens, seu imbecil. Ladrões pensam duas vezes antes de assaltar uma mulher que está acompanhada de homens.

- Eu sou um homem. – ele riu – Você é um rascunho de qualquer coisa indefinida.

- O que você está querendo insinuar com isso, desgraçado?!

Ele estava gargalhando. Era um bom sinal, pelo menos. Se Bruno ficava sério, é porque algo estava muito errado.

- Até quando você acha que ela vai nos manter aqui?

- Não sei. De qualquer jeito, é bom ter um lugar para ficarmos.

- Desde que aquela louca não resolva nos matar um dia desses... Não estou gostando nada dessa história, garoto.

- Eu achei ótimo.

Ele colocou a mão sobre a testa. Estava tremendo de frio. Mais do que eu.

- Você é um imã para problemas, Iago. Como pode achar isso ótimo?

- Queremos ser fortes, e precisamos aprender a lutar. Não vamos fazer isso com flexões e corridas sem sentido. Ela – apontei para a luz que entrava por debaixo da porta – é exatamente o tipo de desafio de que precisamos. Se não conseguirmos ser melhores do que ela, ela vai nos matar.

- Simples assim, vença ou morra.

- Simples assim, do mesmo jeito que a vida real funciona.

- Você é insano, Iago.

Se ele disse mais alguma coisa, eu não sei, porque adormeci, mesmo com o corpo tremendo de frio. Dormi recostado à parede lateral. Estava tão exausto que nem me incomodei.

Quando abri os olhos na manhã seguinte, Bruno estava descoberto, a colcha enrolada ao redor de mim.     

     

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O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora