Laura não voltou no dia seguinte.
Sem termos muito que fazer, passamos a noite jogando cartas e conversando sobre assuntos irrelevantes. Bruno sabia jogar praticamente qualquer jogo, e me ensinava um novo todas as vezes que tínhamos tempo de sobra. Não demorava muito para que eu o vencesse, assim que aprendia as regras e objetivos. Ele não se conformava em perder para um novato, reclamando que eu devia estar trapaceando. Depois de uns vinte jogos diferentes dominados, porém, ele finalmente admitiu que minha habilidade era fruto de uma mente perturbada, e não de movimentos ocultos. Mas mesmo sabendo que iria perder para mim, ele mantinha a paciência de me ensinar.
Eu jamais seria como ele...
De manhã, resolvemos que ele patrulharia a região enquanto eu ficaria de olho na barraca. O som do motor escandaloso me permitia saber exatamente onde ele estava, sem que precisasse procurar. Oeste. Fazendo a curva para a estrada sul. Reduzindo no caminho de pedras para retomar o norte. Circulando de novo.
A barraca permanecia imóvel à minha frente, mostrando a ponta de um cobertor para fora da abertura central, zombando de mim.
Vá mostrar a língua para o Inferno, monte de panos idiota.
Eu devia estar profundamente entediado para chegar ao ponto de brigar com uma barraca militar. Inspirei o ar salgado e me levantei, batendo a areia da roupa para caminhar até a estrada. Precisava subjugar minha mente antes que ela me subjugasse.
Vi Bruno chegando à distância, seu cabelo castanho flamejando com a luz do sol. Era uma pena que seu espírito não fosse tão selvagem quanto sua aparência, poderíamos ter nos dado muito melhor.
Esperei que parasse a moto no acostamento.
- Ei, garoto! Algum problema por aqui?
- Acabou de aparecer um.
Ele riu, me olhando de um jeito que não costumava fazer, quase arrancando minha pele com os olhos.
É isso que acontece quando você alimenta os sentimentos dos outros. Eles te prendem como teias de aranha, e grudam mais ainda quando você tenta se debater para se soltar. Responsabilidade. Esse é o nome do que acontece quando você toca a vida de alguém com mais profundidade do que deveria. Responsabilidades limitam suas escolhas a apenas duas: carregar esse fardo eternamente, ou machucar muito uma pessoa que confiou em você. Eu costumo ser melhor na segunda opção, e é por isso que odeio ser responsável pelo coração de alguém. Mal sei cuidar do meu.
Retorci os lábios diante do metal brilhante.
- Que cara é essa?
Sorri discretamente.
Bruno desceu da moto, escondendo a boca entre as mãos.
- Ah, não! Eu conheço essa merda da sua cara!
Soltei um riso baixo, chutando a roda dianteira.
Ele revirou os olhos.
- Vamos adivinhar qual é o impulso suicida da vez... Você quer pilotar, não é?
Ergui os olhos para ele, ainda sorrindo.
- Você está ficando bom nisso.
- Nisso o quê?
- Em ler meus pensamentos.
- Não preciso ler seus pensamentos. Você não é tão bom quanto pensa em disfarçar o que sente.
- Que seja. Vai me deixar pilotar?
- Você tem pavor de velocidade!
- Eu superei.

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O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia Dantálion
Science FictionAntes de Dantálion, havia Iago. Tendo presenciado a execução cruel dos pais e carregando na pele as marcas do sofrimento, o menino precisa encontrar em si mesmo a força para decidir seu destino: fugir e esquecer o passado, ou buscar a vingança que c...