Ordem

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A luz amarelada jogava sombras compridas sobre o porão. Meus dois companheiros permaneciam sentados, me observando com receio. Naquela noite cancelei os treinos. Não teríamos lutas, nem estudos, e os livros empilhados cercavam nossa pequena reunião sombria.

- Eu tomei minha decisão. – declarei, olhando de um para o outro – E quero explicar o que planejei, e ver se vocês concordarão comigo.

Eu era vários anos mais jovem que os dois, mas sentia o respeito que inspirava. Era como uma névoa que se espalhava por onde quer que eu fosse. Se abria minha boca, todos se calavam. Se me levantasse, todos se sentavam. Não posso negar que nasci com aptidão para a liderança, ou que, pelo menos, tenho um rosto assustador em excesso. De qualquer forma, são características que predizem um futuro nada tranquilo.

- Deixe-me adivinhar... Você decidiu reabrir a Ordem dos Surdos? – Bruno brincou.

- Não.

Ele apertou os olhos.

- A Ordem dos Surdos já foi reaberta há alguns meses. – continuei.

- Onde?

- Aqui.

Eles se entreolharam, e olharam ao redor de nosso porão, lotado de livros e armas. A Ordem estava ali. A Ordem era nós três.

Caminhei em círculos em volta deles, pensando em como organizar as palavras enquanto eles permaneciam mudos.

- Há algumas coisas que me proponho a fazer, mas não posso obrigar vocês a me seguirem. Em primeiro lugar, precisamos encontrar uma forma de manter o anonimato, de modo que o Palácio não consiga nos pegar. Eu pensei no que conversamos ontem, Bruno, e acho que você teve uma ideia ótima. Precisamos de nomes falsos, e precisamos esconder nossos rostos. O ideal é que, se houver mais membros, eles não saibam quem somos, e vice-versa. Quanto menos soubermos uns dos outros, melhor.

- Isso é impossível. – Laura comentou – Ninguém pode manter cem por cento de anonimato.

- É difícil, não impossível. E não temos escolha. Se não for assim, estaremos condenados a outra Limpeza.

- E quanto à voz? – ela retomou – Rostos e nomes são relativamente fáceis de esconder, mas ainda se pode reconhecer alguém pela voz.

Ela tinha razão nesse ponto. Eu não tinha pensado nisso.

- Disfarçar vozes não é nada tão complicado. – Bruno olhava fixamente para a lâmpada – Tropas policiais já conseguiam fazer isso, há muitos séculos. Só precisamos ter acesso a esse tipo de tecnologia.

- Você sabe onde encontraríamos isso, Laura?

Ela ajeitou o cabelo, pensando.

- Em uma cidade produtora, talvez...

- Onde fica a mais próxima?

- A uns quatrocentos quilômetros, perto do litoral norte.

- Que bom. Iago gosta de praia. – Bruno piscou, rindo de meu último episódio de quase-afogamento.

Revirei os olhos. Idiota.

- Só não se esqueça do detalhe de que não temos um carro. – ele adicionou quando terminou de rir.

Laura resmungou alguma coisa.

Nós dois olhamos para ela.

- Eu tenho uma moto.

- O quê?! E quando pretendia nos contar?! Nós passamos todo esse tempo andando por quilômetros pra comprar suprimentos pra você!

- E desde quando isso aqui é comunismo?! Você também deve ter coisas que não nos mostra, plantador de mato.

O Filho da Rebelião (Completo) - Livro II - Trilogia DantálionOnde histórias criam vida. Descubra agora