⏩ Espada de Dois Gumes

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Na hora do almoço, Selena, sentou-se na sua mesa solitária. Ela não desejava companhia de ninguém nem sabia como havia conseguido trabalhar até aquela hora, sua memória voltava-se para Gustavo e a conversa em seu escritório. O seu coração a fazia sofrer ainda mais, pensando nos abraços, conversas, passeios e tudo mais que poderia fazer usufruindo da presença dele, mas por causa daquela decisão tudo se perdeu. 

– Oh Senhor, me ajude! – suplicou de olhos fechados, sentindo as lágrimas sem piedades descer. O peito parecia ter sido partido ao meio e o sangue jorrava sem parar para fora. – Não posso suporta isso – murmurou para si mesma. 

Por um momento tudo pareceu ficar em silêncio, até ouvir uma voz nada amigável.

– Selena, eu gostaria de conversar contigo – pediu o Sr. Berilo.

A jovem engoliu em seco e levantou os olhos avermelhados para o homem, cuja fisionomia estava abatida.

– Sr. Berilo, eu não estou bem para as suas conversas. – Tentou o dispensar, a sua voz embargada era o suficiente para ele entender que ela não estava para discussões.

– Não é para isso. Não quero lhe afrontar de novo, mas, por favor – solicitou, demonstrando uma impressionante humildade.

Selena passou as mãos entre os fios ondulados e questionou a Deus por que enviava aquele homem naquele momento. Poxa! Ela estava terrível, será que não podia se respeitar esse momento de dor?

– Tudo bem, mas não demore muito – declarou após alguns segundos em silêncio.

– Certo! Eu não sei o que está acontecendo comigo, Selena. São muitas angústias, eu sei que você não me conhece direito, no entanto é a única que eu posso conversar sobre isso.

– Sobre isso o quê? – ela indagou sem compreender muito bem.

– Deus, Selena. – revelou.

– Mas, por que eu? – Arqueou a sobrancelha não querendo entrar novamente naqueles questionamentos.

– Porque fora a única que me falou a verdade. Mesmo que doesse e ela realmente me mutilou. Tantas tristezas e dores começaram a fluir de novo dentro de mim. Coisas que pareciam ter sido superadas, no entanto elas estão aqui – bateu no peito –, mais vivas que nunca.

– Oh, céus! Sr. Berilo, não sabia disso, me perdoe. – Estendeu a mão para o homem, compartilhando de sua tristeza.

– Não, Selena, você não está entendendo. – Ele balançou a cabeça em negativa. – Se não tivesse falado eu estaria ainda me iludindo. Não que eu saiba a verdade, mas minha vida tem sido uma grande ilusão. – Berilo olhou para baixo, mas pôde se perceber uma lágrima escorrendo em seu rosto.

– O que o senhor espera que eu fale? – Ela se encontrava tão mutilada quanto ele.

– Não sei, mas algo...

Selena percebeu a esperança no homem de alguma palavra que aquietasse suas agonias, mas como dar algo que ela mesma precisava? Como dar forças para o outro quando você mesmo precisa?

– A bíblia fala, Sr. Berilo, que só a verdade pode libertar. – Lembrou-se das escrituras. – Se todos os seus conhecimentos não proporcionaram isso para sua alma, podemos concluir que são apenas mentiras.

Ele assentiu.

– Jesus disse: “Vinde a mim todos que estão cansados e sobrecarregados de suas cargas pesadas, aprendei de mim porque sou manso e humilde de coração.” – Ao pronunciar aquelas palavras, Selena sentiu os olhos marejarem sabendo que ela mais do que ninguém precisava ir ao criador e lançar suas dores. – Sabe o que isso quer dizer? – Ele negou com a cabeça. – É basicamente para nos dizer que o conhecimento sobre ele irá nos curar, libertar. Ele tomará as nossas cargas e o jugo dele será colocado em nós. E sabe Sr. Berilo, o jugo dele não é nada pesado, antes é muito bom. – Selena, enfim, chorou porque aquelas palavras serviram para  sua alma.

As emoções de Berilo vieram à tona, o mesmo em silêncio agradeceu e partiu. Selena também agradeceu porque as palavras para aquele homem foram apenas um meio que Deus enviou para ela mesma relembrar e ser consolada. Era como espada de dois gumes, cortando para os dois lados.

***

Após sentir aquele momento de refrigério em sua alma, ela ouviu o celular tocar. Atendeu e por uns instantes apenas ouviu uma respiração ofegante do outro lado da linha.

– Alô? – ela indagou, querendo desligar achando que podia ser um trote.

A voz que respondeu estava em prantos.

– Selena, mamãe teve um infarto. – As palavras de Juliana vieram como uma onda que a jogou nas profundezas do oceano de aflições mais uma vez.

– Como assim?! – O desespero na voz de Selena assustou até os funcionários ao redor.

Ela levantou-se exasperada daquela mesa e correu ao seu departamento a fim de buscar suas coisas. Não, não podia ser! Sua mãe, não! Antes de chegar na sua sala foi ao banheiro, fechou a porta e sentou-se em cima do vaso, afundou o rosto entre as mãos e chorou profundamente.

– Senhor, eu não suportarei tamanhas aflições! Não suportarei!

Ela após um longo tempo se ergueu e foi pedir sua saída antes do expediente.

O hospital, felizmente, não ficava tão longe do lugar, pois somente com 20 minutos no ônibus chegara a sua localização exata. Ela entrou no local agitada, pedindo informações de todos sobre o setor devido. Ao entrar na sala de espera, viu seu pai de cabeça baixa e sua irmã no canto da parede abraçando a si mesma. Os olhos dela marejaram, mas sabia que precisava ser forte. Aproximou-se e indagou:

– Como ela está?

– Nada bem! Os médicos não nos deram muitas esperanças – respondeu Juliana, em meio às lágrimas que embargavam a sua voz.

Selena apenas caminhou em direção ao pai e sentou-se ao lado do senhor de cabelos grisalhos, visivelmente, arrasado com toda aquela situação.

– Papai, como o senhor está? – Tomou as mãos do pai em suas mãos e acariciou, tentando de alguma forma sentir o consolo.

– Na esperança que Deus fará um milagre – falou com a voz rouca.

– Ele fará sim! – Tentou ser otimista.

Decorrido um bom tempo naquela sala, um médico rechonchudo, de cabelos brancos e um óculos fundo de garrafa apareceu com sua prancheta e informou o estado da Sra. Laura Cadori.

– Infelizmente, a situação dela não melhorou.  Temo que ela não passe dessa semana, pois o pulmão está enchendo de água rapidamente – informou com pesar a situação da Sra. Laura.

– Oh, céus! – exclamou Renato passando as mãos entre os cabelos em terrível desesperança.

– O que podemos fazer doutor? – perguntou Selena.

– Ela precisará fazer uma cirurgia cujo custo chega a ser de uns 10 mil reais. Precisamos trocar umas das válvulas do seu coração que está danificada. E não pode demorar muito. – Alertou os parentes.

– Não temos esse dinheiro – disse Juliana com as mãos trêmulas.

– A outra solução seria pelo governo, mas isso poderia demorar meses. E a sua mãe precisa dessa cirurgia pra no máximo duas semanas.

–Tudo bem, doutor, eu agradeço – disse o pai, sentando no banco de coração aflito.

Com um tempo os três – por muita insistência – retornaram para casa, desolados. Aquela habitação não tinha a mesma vivacidade de outrora, pois sua mãe era a alegria em pessoa naquele lugar. Selena seguiu para o seu quarto e chorou toda a sua amargura de alma. Renato isolou-se por completo, sabia que se sua esposa fosse tirada, a vida dele também morreria. Juliana repensou todos os seus feitos, a tristeza invadiu seu coração por saber que contribuiu para piorar o estado de saúde de sua progenitora. Por fim, todos pensaram sobre de onde tirariam 10 mil.

***
Eis a vida do cristão, cheia de tribulação!

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