Três semanas depois...
O tempo passa, o relógio não para, o meu coração não desliga e eu permaneço aqui, neste mundo onde não quero viver. Estas últimas semanas têm sido um pesadelo, eu acho que já cheguei ao inferno na terra. Eu tenho de admitir que no dia em que cheguei a casa de Tóquio ainda não tinha caído na realidade porque eu tinha esperança, que eles voltariam para mim. Não aconteceu. A realidade foi matando aos poucos a esperança que havia no meu peito e contrariava o pensamento da minha perda. No dia seguinte, à minha chegada, pus-me a pé após esgotar a minha mãe de tanto me chamar. Não sei como consegui levantar-me quando o meu corpo e alma me diziam o contrário. "Eu sei que irão voltar para mim!" Creio que foi a esperança que me deu forças. No entanto, não consegui dormir, a minha mente não desligava ficando a matutar em tudo que vivi. Eu até tentei chegar ao conforto de Thomas (viajar até ao nosso mundo) mas só via um mundo sem vida, cinzento e apagado. Não lavei os dentes ou lavei? Não sei. Penteei o cabelo com os dedos o melhor que pude e tentei encobrir as olheira, que a insónia deixou marcado no meu rosto, com base e corretor de orelhas da minha mãe. Não queria mostrar a fraqueza em que me tornei. De seguida fui, quase arrastando-me pelo chão, para a escola, mas quando sai de casa, voltei para dentro em frações de segundos. Inúmeros jornalistas cercaram a minha casa impossibilitando-me de viver a minha vida normal. Mal eu sabia que durante as duas semanas seguintes não poderia sair de casa. O diretor da escola compreendeu a situação e comecei a assistir as aulas através de videochamada como se fosse uma presidiaria. Passei o resto do "primeiro dia sem eles" deitada na cama, vestida com um pijama, que usei durante dias, a chorar sozinha enquanto observava a grande montanha através da janela. A minha mãe teve de ir para o hotel e só voltou na segunda-feira seguinte, só restava eu e a solidão. Sinto-me neutra á fome por isso, nem me dei ao trabalho de tentar comer. Cada vez que o meu telemóvel tocava, eu arrancava forças de não sei onde e corria para ele, tudo me caía ao chão quando não via um dos dois nomes no ecrã. No dia seguinte ("segundo dia sem eles") levantei-me após a segunda noite sem dormir, não tem sido fácil dormir sem o aconchego da voz de Thomas ou o aconchego do peito de Diego. A esperança fazia com que eu ainda me levantasse e tentasse viver. Desta vez nem me olhei ao espelho, não quero ter pena de mim própria por isso tapei-o com um lençol branco. Tentei fazer o melhor com o meu rosto usando base e corretivo, deixei-me com o pijama vestido e apenas coloquei por cima uma camisola larga para enganar os professores. Durante a maior parte da manhã assisti ás aulas, quer dizer, talvez o meu subconsciente tenha assistido enquanto a minha mente viajava, perdidamente. Durante os intervalos fico a ver televisão ou a fazer de conta que vejo enquanto as lágrimas caem pelo meu rosto. Tudo me liga a eles. Enquanto navego pelos canais tudo me faz pensar neles. Canal de desporto, Diego, canal de moda, Thomas, filmes asiáticos, Diego, filmes de magia, Thomas, filmes românticos, Thomas e Diego. Tudo, tudo leva-me a eles! Cada vez que o meu telemóvel tocava, eu ainda tinha esperança que fosse um deles, mas nunca era, e a esperança começava a desaparecer no meu peito. Durante a hora do almoço nem me esforcei para cozinhar, eu sei que não passaria nada na minha garganta. Deste modo, fiquei deitada no sofá, a correr os canais de televisão na esperança que surgisse uma notícia de um deles mas, apenas cochichos sobre nós, nada de concreto, apenas boatos. Depois comecei a repensar os meus últimos dois dias, eu estava feita num nó em apenas dois dias sem eles. Estava cansada e sem confortar o meu estômago pois apenas conseguia dar-lhe um pouco de água. Tendo em conta que era sexta-feira, disse aos meus amigos que estava com gripe e o melhor era eles não virem ter comigo porque podia apegar-lhes. Denie ficou desconfiada mas ainda tive forças para a enganar. Ao terceiro dia (sábado), nem me levantei da cama, a minha mãe ligou e eu menti-lhe tanto! Não sei onde fui arranjar forças para colocar um tom de voz saudável, não sei mesmo. Eu nunca lhe minto porém, se lhe dissesse que não tenho forças para me levantar, ela correria para casa. Ela agora tem mais responsabilidades no hotel, eu não posso nem podia interferir com isso sendo egoísta, já o fui e não quero voltar a ser. Fiquei na cama a manhã toda e metade da tarde enquanto molhava com as minhas lágrimas o meu pijama e a almofada. Ao fim do dia tive vontade de ir á casa de banho, apertei o tempo todo, não aguentava mais. Porém, quando me levantei desmaiei de cansaço e de fraqueza, talvez fosse uma quebra de tensão. Por tempo indeterminado fiquei inconsciente e acordei sozinha, deitada no tapete do quarto. Foi aterrorizante! Mas era eu e o peso da falta deles os dois. Lentamente, levantei-me e continuei a minha miserável vida. Quando me dirigi á cozinha, olhei em cima do balcão uma maça vermelha que me criou tentação. Após "três dias sem eles" foi a primeira vez que senti apetite. Vagarosamente, aproximei-me do balcão, sentei-me na velocidade de um idoso de noventa anos e peguei na maça. Quando senti a sua textura na minha mão, abri a minha boca e encostei-lhe os meus dentes. Com o rosto fechado, como se estivesse na reta final da corrida de dez quilómetros, trinquei-a e o seu sumo espalhou-se pela minha boca. No momento em que engulo, sinto o inverso. Como nem consegui chegar à casa de banho fiquei a vomitar no saco do lixo. No entanto, levei o resto da maça comigo caso me desse a fome e não tivesse forças para ir até á cozinha. De seguida, preparei um chá com muito açúcar para que, pelo menos, me mantivesse viva até eles voltarem para mim. Porém, a assombrosa noite chegou e o meu telemóvel continuava silencioso. Três dias sem uma mensagem, uma chamada... Sem o toque de Diego e sem a voz de Thomas. No escuro da noite procurei os seus contactos telefónicos e ouvi as antigas chamadas de voz de Thomas e as mensagens de texto de Diego. Quando a saudade bateu á minha porta não resisti em ligar-lhes. "Chegou á caixa de correio." Ambos estavam desligados. No dia seguinte fiquei na dúvida se adormeci ou desmaiei de cansaço. Domingo, "o quarto dia sem eles", a minha mãe liga e estou maravilhosamente bem, a Denie ou os meus amigos ligam e eu estou bastante doente, mas já fui ao médico. Nunca fui tão falsa na minha vida. Passei a manhã e o início da tarde na cama, desta vez as lágrimas não caíram pelo meu rosto, talvez as tivesse esgotado. No entanto, fiquei um pouquíssimo feliz por o chã ter ficado no meu estômago. Bebi mais. Quando cheguei ao sofá senti a minha visão a ficar turva e vários pontos pretos começaram a preencher o que os meus olhos viam, deixando um tela preta. Tempos depois acordei sozinha no chão da sala e senti a cabeça a latejar, talvez tenha batido com força quando desmaiei. Ainda pensei em pegar em gelo e colocar no inchaço, mas não tinha forças para ir até á cozinha. Passei quase a maior parte do dia no sofá, sei que sou repetitiva, mas não tinha forças para mais. Naquele momento nem forças para mudar de canal tinha por isso, limitei-me a assistir o que aparecia. Quando dei por mim, estava a ver um filme de romance e a chorar perdidamente pensando no que perdi. Sinto tanto a falta deles que custa-me a respirar devido ao peso da saudade que carrego no peito. Eu sei que só passaram quatro dias e parece ridículo esta imensa saudade, mas sinto-me no meio de uma tempestade no inverno e os seus corações são o calor que tanto preciso para sair dentro dela. O facto de não puder sair de casa faz com que eu me mantenha no fundo do poço. Á quatro dias que procurava notícias deles, o silêncio foi a única resposta. Olhei para a maça e senti a tentação de morde-la, felizmente consegui que ela se mantivesse no meu estômago. Comi-a muito lentamente e aos pouquinhos. Na segunda-feira, acordei com o sol a bater-me no rosto, nem me lembrei de adormecer no sofá, sei que foi durante poucas horas. "A minha mãe deve de estar a chegar!" Gritei mentalmente. Eu nunca pensei que uma maça fizesse tanta diferença na força do meu corpo. Levantei-me, coloquei bastante corretor de olheiras e, após quatro dias, consegui tomar um duche e vestir outro pijama com outra camisola por cima para enganar os professores. No momento em que abri o meu armário, encontrei o robe do Diego, bastou vê-lo para as lágrimas voltarem a molhar o meu rosto. Coloquei-o perto do meu nariz e as nossas memórias invadiram a minha mente, ele cheira tão bem... Nunca mais o larguei assim como nunca mais consegui dormir sem os pergaminhos. Os objetos deles têm-me aconchegado. Voltei a assistir às aulas mas sempre com o pensamento longe. Durante toda a manhã tentei comer uma torrada e consegui come-la aos poucos, juntamente com muitos vómitos á mistura. No entanto, eu precisava de ter energia para a chegada da minha mãe. Quando ela chegou, entrou em casa a correr devido aos jornalistas que a pressionavam. Ela fez o almoço, eu só consegui comer algumas garfadas, sentia-me cheia com pouco. Quando ela foi ao quarto atender o telemóvel, escondi a comida e, mais tarde, dei-a ao gato da vizinha. Depois, passamos o resto do dia a ver filmes. No dia seguinte (terça-feira e "seis dias sem eles") a minha mente levou-me para Tóquio, na semana anterior, naquele momento onde estaria a acordar enquanto observava o Diego a escovar os dentes. Incontável os suspiros que soltei com aquele pensamento. Os dias seguintes foram sempre iguais. Eu comendo cada vez mais um pouquíssimo (quase nada) e a esperança morrendo aos poucos dentro de mim. Agora o meu telemóvel tocava e eu simplesmente não corria porque eles não voltarão para mim ou voltarão (diz-me ainda a pouca esperança que me resta). Na sexta-feira ("nove dias sem eles"), inventei que fui com a minha mãe para o hotel e consegui afastar por mais uns tempos os meus amigos, incluindo a Ana. Vera desapareceu da minha vida durante estes tempos, mas através das minhas conversas com a Denie, mais parecidas com um monólogo, ela tem saído com o Johnny. O fim-de-semana foi o pior, a raiva subiu-me á cabeça, abri a porta de casa, após duas semanas, e gritei com todas as forças que tinha: "Vão-se embora, deixem-me em paz!". Felizmente, o meu ato foi tão inesperado que não houve tempo para me filmarem no entanto, não tive hipóteses de sair na revista da semana. A minha mãe comprou-a e através dela consegui descobrir que o Diego continuava em Tóquio, que o Thomas e a irmã Freya refugiaram-se, a imprensa não sabia onde estavam. Suspiro. Respiro fundo. Suspiro. Durante o fim-de-semana consegui comer pela primeira vez o pequeno-almoço (duas mordidas numa torrada), o almoço (sete colheres de sopa) e o lanche(meia pera). Quando chegou o jantar tentei repetir o bem-feito mas acabei na casa de banho. Perdi a conta das vezes que parei na casa de banho na semana passada. Segunda-feira ("doze dias sem eles"), eles, eles, eles... Para mim, não se passaram doze dias mas sim doze anos. Durante os últimos meses eu cheguei a desconectar-me durante algum tempo com eles, nunca fiquei sem os dois ao mesmo tempo. Quando um se afastava de mim o outro aproximava-se, agora sinto-me perdida sem os dois. Acordei para mais uma semana (a terceira) e senti saudades de pensar em mim, nem que fosse por um minuto. Á duas semana que não via o meu reflexo por isso, decidi destapar o espelho grande do meu quarto que tinha tapado. Tudo me caiu ao chão, fiquei em choque ao ver o estado lastimável em que me encontro, ver no que me tornei. As covas junto ao meu rosto devido ás insónias deixa o meu rosto tão feio e negro com as assas de... Comecei a retirar o pijama para me vestir e as lágrimas começam a cair fortemente pelo meu rosto ao ver todas as minhas costelas bem marcadas, os ossos dos meus ombros, a minha anca, quase que consigo ver o meu esqueleto. Com as lágrimas a correr pelos meus olhos tapei de novo o espelho e cobri este corpo esquelético. "Quando é que ele ficou assim tão feio? Eu odeio vê-lo assim! Odeio ver-me assim!" Apesar de na terceira semana eu estar a comer, razoavelmente, eu emagreci, provavelmente, mais de cinco quilos, talvez seja um eufemismo. A minha autoestima caiu ao chão. Estou feia, magríssima e até o meu peito diminuiu de tamanho. Depois de chorar durante um bom tempo algo me deixou menos triste, olhei pela janela e sobram poucos jornalistas. "Quem me dera que acontecesse algo mais interessante do que o duplo romance falhado!" Pensei. O resto da semana foi mais do mesmo. Acordei, visti-me, obriguei o meu corpo a comer, assisti às aulas, olhei para o telemóvel, chorei cada vez menos, assistia a filmes de romance, voltava a chorar, ficava acordada até de madrugada, esforçando-me a dormir e assim começava outro dia. Agora já percebo porque as mulheres gostam de ver filmes de romance. Quando vêm o drama dos outros esquecem-se dos seus. Piorando a solidão entranhada em mim, a minha mãe anda cheia de trabalho e felizmente não veio a casa no dia de folga. Temos falado todas as semanas e ela veio cá a casa poucas horas e voltava para o trabalho. Admito que tenho sido boa a esconder-lhe o meu estado, não a posso preocupar. No entanto, cabei tanto o meu próprio buraco que, sinceramente, não sei como irei esconder este profundo buraco onde me encontro? Engana-la pelo telemóvel é fácil mas pessoalmente é e será cada vez mais dificilíssimo. Odeio fazê-lo, não quero nem posso preocupa-la. Confesso que por um lado encobri o meu estado, por outro, a solidão dominava-me cruelmente. A terceira semana tem sido a mais fácil. A cada dia passado, comecei a comer cada vez mais até conseguir fazer as refeições completas. Acho que já consegui engordar um bocadinho, tendo em conta que não me olho ao espelho é difícil de perceber. Por incrível que pareça, as aulas têm sido uma mais-valia. Ver a minha mãe a trabalhar dia-e-noite para eu poder ter um futuro fez com que eu ganhasse forças para me concentrar nas aulas, o facto de comer melhor também tem ajudado neste fator. Por incrível que pareça, repito-me, durante esta semana tenho conseguido focar-me. Enquanto estudo mantenho a cabeça ocupada e o meu coração pode respirar um pouco sem sofrimento. Hoje é sexta-feira e passei o dia todo a estudar recuperando a matéria que ficou para trás. A noite chegou e sei que daqui a pouco tenho a Denie a ligar-me. Começo a pensar numa nova desculpa para lhes dar. Olho pela janela e não vejo jornalistas. Pela primeira vez, após vinte e três dias ("três semanas e um dia sem eles") sinto-me feliz, livre e com vontade de tentar viver. Abro a porta e sinto a briza fresca a chocar com o meu rosto. Sinto-me pela primeira vez viva, desde do dia em que os perdi. Volto para dentro e faço o jantar enquanto oiço música. Até consigo cantarolar. Sorrio, eu não acredito que acabei de sorrir! Coloco a mão na boca e sinto as lágrimas a humedecer o meu rosto. Talvez esteja a reflorescer. A campainha toca e todo o meu corpo estremece. Olho-me de cima a baixo e vejo-me com umas jeans e uma camisola bem larga que esconde a minha magreza. O silêncio do outro lado estremece o meu peito. Quem será? Olho pelo videoporteiro e o meu peito treme. Talvez se manter o silêncio eles vão-se embora.
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BETWEEN I - entre corpo e voz [Português De Portugal]
RomanceTEM AUDIOBOOK E ESTÁ CONCLUIDO Ser abusada deixa traumas para a vida! Apaixonada pelo lutador de boxe mas não pode se relacionar sexualmente devido ao seu trauma. Elizabeth Carter ou Lisie é uma menina simples com uma vida normalíssima mas com um p...