Capítulo 23

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[N/A: Este capítulo narra um julgamento de um acusado de violência doméstica e abuso sexual. Ainda que não haja um relato completo de todas as agressões, pode ser que sirva de gatilho. Não é recomendada a leitura para quem não se sinta confortável. Ao final, uma nota pra leitura do final do capítulo, que não possui gatilhos e é até bem bonitinho.]


- Tá tudo bem? – Holger perguntou quando estavam no carro a caminho do apartamento. Catherine assentiu e resmungou um "uhum" que deixava claro que não estava nada bem. Ela sabia que aquela data chegaria, mas estava nervosa e não gostava de estar envolvida naquilo. – Fica tranquila, vai dar tudo certo.

- São sentimentos intensos demais e me lembra tudo que aconteceu entre o Nicholas e eu. – Catherine suspirou e Holger desviou o olhar da rua para lhe dar um sorriso, que ela não viu.

- Vou ao show de Lyon.

- Espero que eu também vá. – Catherine falou dando uma risada nervosa.

- Você vai, mas provavelmente vai precisar voltar pra cá no dia seguinte.

- Eu estou pensando em fazer um acordo. – Catherine falou incerta e olhou de lado para ele.

A expressão de Holger ficou séria e ele não respondeu, apenas dirigiu pelo restante do caminho até o prédio de Catherine e os dois subiram, também em silêncio, até o apartamento. Antes que Catherine decidisse entre sentar no sofá ou ir para o próprio quarto dormir, Holger a puxou para um abraço apertado e demorado.

Ela inalou o máximo do perfume que conseguiu, o envolvendo com seus braços e o apertando um pouco mais forte num abraço necessitado. Holger sabia que precisavam conversar, mas não era o momento. Ela precisava do conforto, da tranquilidade e da amizade dele e não de uma conversa problemática como aquela.

- Eu senti sua falta. – Holger disse, lhe dando um beijo na bochecha, antes de soltar o abraço e os dois sentarem no sofá.

- Eu também senti a sua. – Catherine deu um sorriso pequeno ao observá-lo. Estava com os cabelos bem cortados, barba feita e lhe oferecia um de seus melhores sorrisos. – O que você acha sobre o que falei no carro?

Holger soltou um suspiro demorado antes de responder.

- Por que um acordo? – Holger perguntou, olhando-a nos olhos, e Catherine hesitou por um momento, sentindo os olhos arderem, começando a acumular lágrimas que cairiam em breve, ela sabia.

- Quando foi com o Nicholas, eu não quis passar por nada disso, acabaria com o relacionamento dos meus amigos, mas não foi por isso. Estar na posição em que a Ute está... é difícil, sabe? Não, não sabe. Você é homem e não sabe como é. Ser mulher é muito difícil, não é um discurso vitimista como dizem, é a realidade. É difícil ser julgada por todas as pessoas do mundo, nos culpam e às nossas atitudes pelas coisas que acontecem, mas não culpam quem fez. É difícil ser julgada por pessoas que vão pensar o que quiserem a seu respeito, conforme o que quiserem pensar. Juízes, promotores, advogados, júri... é muito difícil. Nos expõe de uma forma horrenda, desnecessária e que só de pensar, dói. Expõem as vítimas, nunca o agressor. Tudo serve para culpar a vítima e pra eximir a culpa do agressor. Eles com certeza vão pensar "ah, mas se ela estivesse usando uma roupa maior" ou "ah, mas ela provocou..." ou "bom, ela pediu por isso quando resolveu se relacionar com um cara desse" e só de cogitar essa possibilidade, dá vontade de nem ir, de desmentir e falar que inventamos. A exposição pela qual passaremos é parecida com a de quando sofremos essas coisas. E é horrível ser tratada como um objeto, como algo que se pode manusear de qualquer forma sem problemas, porque foi feito só pra isso e mais nada. É horrível que tenhamos outras pessoas decidindo sobre nossos corpos e nossas vidas. Ser mulher não é pra qualquer um, não é qualquer um que aguenta a pressão que nós sofremos só por existir, não é qualquer um que aguenta ter medo de sair sozinha, ter que escolher com muito cuidado a própria roupa ou ter que ponderar os locais que frequentará, porque tem medo de ser violentada. – Catherine despejou as palavras, tentando controlar o choro, mas sem sucesso.

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