Prólogo

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Descendo a rua ela já pode ver. O grande e majestoso navio a aguarda. A luz da manhã aquece seu rosto enquanto ela corre os olhos ansiosos pelo porto e observa os demais grupos de adolescentes sorrindo entusiasmados ao seu redor. Ela sorri, e de repente sente uma onda de orgulho dentro de si, o sentimento semelhante àquele de quando você finalmente atinge sua meta e se encontra de frente para o prêmio. Seu esforço valerá a pena!

Sua mãe é dona de uma floricultura e, como naturalmente acontece nas famílias que possuem o próprio negócio, quer que sua filha tome gosto pelo ofício para que um dia possa assumir a loja. Pena que seus argumentos nunca surtem efeito na garota, já que ela está focada em estudar engenharia e seguir os passos do pai. Ela nunca teria aceitado ajudar com tamanho afinco sua mãe no Mundo Floriema se não precisasse juntar dinheiro para participar da viagem que tanto sonhou em fazer.

Um cruzeiro internacional, dois meses no mar, diversos países para treinar inglês e espanhol, conhecer pessoas estrangeiras e se divertir em grupo; do início de Dezembro ao fim de Janeiro. O entusiasmo toma conta dela.

Trabalhou na loja da mãe o ano inteiro até conseguir o dinheiro. Chegava da escola, subia para almoçar e trabalhava o resto da tarde na floricultura, tudo isso em seis dias por semana durante dez meses. Não que o serviço tivesse ajudado somente a si mesma. Com seu trabalho motivado, as vendas da mãe aumentaram bastante. Fez propagandas, lançou promoções, até tocou violão na calçada e conseguiu um bico decorando festas com os arranjos que vendia. Ela se esforçou mais do que o suficiente e está colhendo os frutos de sua persistência agora.

Enquanto, do outro lado do porto, há um garoto. De mesma idade, mesma série escolar, mesmo curso de línguas, mas de sala e colégio diferentes em relação à garota. Apesar da proximidade que estão um do outro, o garoto está ali por motivos diferentes. Motivos não tão bons quanto os dela, motivos que ele até prefere não se lembrar. Motivos pelos quais não quer falar e que apenas os dois melhores amigos a sua frente conhecem. Isso porque ele prefere manter o verdadeiro objetivo dessa viagem em segredo, para não incomodá-lo e impedi-lo de aproveitar ao máximo.

O garoto está rindo com os amigos. Embora não tenha gostado tanto da conversa que teve com seu pai na noite anterior, agora, diante do navio, ele se permite se sentir empolgado.

É nele que os olhos da garota param por mais de um segundo. Camiseta preta embaixo de um sol de rachar, ele se destaca no meio da massa de estudantes. Mas ela nem percebe que se demora na imagem do garoto, pois está muito animada com a viagem. Por outro lado ele...

O garoto decide dar uma olhada ao redor, assim como ela, e também se demora em uma imagem. Mas, ao contrário dela, ele não desvia o olhar.

Ele está olhando para uma garota sorridente e de olhos brilhantes. Não sabe por quê. Talvez a tenha reconhecido de alguns encontros nos corredores do prédio do curso, talvez seja a flor havaiana no topo de sua orelha que tenha lhe chamado a atenção, talvez ele simplesmente a tenha achado atraente. Ele não sabe. Só nota que de repente seus olhos percorrem o corpo dela, depois o rosto, ele filma seus gestos, aprecia seus cabelos, admirando-a.

O transe é interrompido com o leve soco que um de seus amigos lhe dá no braço. O garoto fica envergonhado enquanto os amigos riem e o zoam. Ele ri também, dando-se conta do quão idiota deve ter parecido alguns segundos atrás. Mas não se esquece da garota.

Quando o apito do navio soa pelo porto, os jovens começam a se despedir de suas famílias antes de embarcarem.

Ela dá um abraço apertado em seu pai, beija carinhosamente seu namoradoe sussurra no ouvido da mãe um "obrigada". Ao se virar, durante um segundo, elahesita diante do navio. Mal acredita que isso não é um sonho, que é real. Elaaperta as pálpebras enquanto respira fundo. Quando termina, corre até a rampapara se juntar aos colegas, com um pensamento alegre e cheia de expectativaspipocando em sua cabeça.

Ele observa os outros jovens se despedirem. Simples e discretamente pega sua bagagem e se dirige à rampa de acesso ao navio. Não tem ninguém para dizer "tchau". A única pessoa a quem direcionaria essa fala já recebeu a despedida antes de ele sair do carro essa manhã.

Então os dois acabam se esbarrando na subida da rampa. Mal se olham, mas sussurram pedidos de desculpa, cada um preso em seu próprio mundo. A essa altura eles ainda não fazem a menor ideia do que acontecerá nessa viagem. Não sabem como esta mudará suas vidas para sempre. E nem imaginam que seus destinos foram traçados logo que colocaram os pés no chão amadeirado do navio.

Dois adolescentes com vidas tão diferentes, expectativas tão diferentes, serão unidos a partir de um único ato do destino.

Ansiosa, ela delira: Esta viagem será inesquecível!

Esperançoso, ele medita: Esta viagem será um refúgio.

Mal sabem o quanto estão certos.

Naufrágio nas Ilhas de RochasOnde histórias criam vida. Descubra agora