[JACK]
Já era dia na selva da ilha Lupi. Os raios de sol tentavam penetrar a densa tela de folhas, as poucas aves cantavam, e eu e Mikayla ouvíamos tudo sentados embaixo da infinita sombra de árvores às margens de um pequeno lago que encontramos. Bebemos a água do lago — sem o nojo que teríamos há um mês atrás, pois a sede já ardia nossas gargantas — e lavamos o rosto. Como estávamos imundos e não lavávamos o sal do mar desde a noite da tempestade, decidimos entrar enquanto tudo ainda estava calmo. Mikayla tirou o vestido branco — um pouco amarronzado de terra agora e com algumas manchas de sangue, o meu sangue —, se desfez das bandagens de suas panturrilha e coxa, fez o usual nó no cabelo e foi a primeira a entrar. Ela me disse para eu não me preocupar com a faixa no meu braço, então tirei a bermuda e entrei também. Foi muito bom poder tirar toda a sujeira e suor do corpo, para variar. Mikayla pediu minha blusa e tentou tirar o sangue que a cobria toda. Conseguiu o máximo que foi possível, restando apenas uma mancha muito clarinha no tecido. É claro que não perdi a oportunidade de irritá-la também, jogando água no seu rosto. Ela revidou, e no fim, nós dois tivemos que mergulhar para lavar o cabelo também.
Depois de nos sentirmos limpos, saímos do lago e nos sentamos à margem enquanto esperávamos a água escorrer. Mikayla desenfaixou meu braço para começar a limpar o corte.
— Ei, olha só. Até que não está tão mal assim — disse ela, e tinha razão. O sangue que ficara em torno do corte coagulara e formara uma espécie de casca ao redor. Mikayla pegou a faixa ensanguentada, lavou e passou-a no meu braço, mas se deteve antes de continuar. — Ainda dói?
— Não mais. Pelo menos não tanto quanto ontem. — Ela continuou encarando o corte, incerta. — Pode passar, é uma dor suportável.
Ela assentiu e continuou delicadamente. As mãos dela eram tão jeitosas que quase não prestei atenção na dor, a sensação que essas mãos causavam era bem mais prazerosa.
— Pronto. Agora somos gêmeos — Mikayla sorriu para mim, me mostrando seu braço esquerdo com o corte e a casca parecidos. Eu sorri de volta, achando graça.
— Obrigado. Nossa, achei que fosse morrer.
— Você ia morrer se eu não estivesse aqui. Fala sério, Jack, você já teria morrido se não fosse por minha causa.
— Você está se achando demais, Srta. Mikayla — repousei as costas na árvore atrás de mim e olhei-a ironicamente.
— Só estou dizendo a verdade — riu ela.
— Lembrando que, se não fosse por mim, você estaria presa nas corredeiras até agora, donzela indefesa.
— E se não fosse por mim você nem teria chegado à vila por ter comido tantos peixes.
— Ai, touché, você ganhou.
Ela riu presunçosa, enquanto voltava a lavar o sangue das bandagens.
Senti vontade de beijá-la nessa hora. Seu cabelo molhado descendo até o meio das costas, aquele sorriso, o corpo seminu coberto apenas pelo biquíni... uau, tudo isso a fez parecer lindíssima para mim. Mesmo que seus cachos estivessem embaraçados e emaranhados, mesmo que estivesse com o corpo repleto de hematomas roxos, mesmo que sua aparência pudesse assustar as pessoas se aparecesse no continente desse jeito, eu a achei bonita nesse instante. Estávamos longe havia tanto tempo das cidades que a realidade "feia" vista pelas pessoas de lá começou a parecer bonita para nós. Comecei a cogitar a ideia de girá-la pelos cabelos de sua nuca em direção a minha boca e sentir seus lábios novamente.
— Você quer que eu coloque a faixa de volta? — disse ela, me tirando de um transe. — Acho que não precisa, mas só por precaução...
— Aaah, eu sabia que você ia pedir de novo — zombei, olhando-a com malícia.
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Naufrágio nas Ilhas de Rochas
Roman d'amour"Mikayla e Jack são jovens de quinze anos, com vidas completamente distintas e separadas, que embarcam - literalmente - na maior aventura de suas vidas. Com a colisão do cruzeiro de viagem em que estavam, seus destinos são unidos, e ambos terão de l...