[JACK]
Em vez de voltar para o meu quarto, me empoleirei nas trepadeiras que cobriam a parede do castelo e desci. Aterrissei com um som abafado em cima de uma pedrinha, perdi o equilíbrio e caí. Belo começo, Jack. A tribo toda jantava na planície do outro lado como sempre. Não haveria problema em caminhar até o porto. Esperei Mikayla e Tawã se distanciarem para poder correr para a praia.
Tem que ser hoje, eu não parava de pensar. Devido ao desaparecimento de Tina a maior parte dos guardas estava fazendo buscas pela ilha ou protegendo o castelo. Seria o único dia em que a vigilância estaria mais fraca no porto. Mas não era só isso. Tínhamos que fugir o quanto antes pois eu temia que Tina fizesse mais alguma coisa; sem falar no que Tawã poderia fazer. Enrolar, enrolar, enrolar, de todas as maneiras que ele era capaz, até Mikayla desistir de tentar ir embora, ou até ele fazê-la não querer mais ir embora, e nos prender para o resto de nossas vidas nessa ilha. Acha loucura? Eu achava totalmente possível.
Mikayla. Eu deveria ter ido com ela, pelo menos para vigiá-la. Tawã era a pior pessoa do mundo para ficar sozinho com ela nesse momento. Não posso dizer que não havia tentado impedi-la, pois tentara até demais. Eu a beijara! Acho que essa fora de longe a maior loucura que eu já fizera em muito tempo. Fora um reflexo; estava apavorado com a ideia da cabana e meu corpo agira mais rápido do que minha mente.
Mas fora bom. Nossa, como fora.
Depois de semanas — desde que a conheci — imaginando como seria a sensação de beijá-la, qual seria o sabor dos lábios dela, eu finalmente descobrira. Pena que em péssima hora.
Enfim, cheguei à orla da praia. Estava muito escuro, provavelmente as nuvens cobriam a lua, mas dava para ver que eu estava perto da área dos pescadores. Pude ver a barraca de pesca à minha direita, porém, não dava para ver se a praia estava deserta.
Se os callumines ao menos soubessem o que é uma lanterna...
Caminhei lentamente pela mata, na direção oposta à da barraca, e segui as sombras dos mastros com muito cuidado para não fazer barulho. Depois de mais alguns passos já conseguia distinguir o armazém da imensa escuridão. Havia uma pequena fogueira na areia que iluminava uma parte da área. Dois guardas — que eu não conhecia — estavam próximos à fogueira, conversando e se aquecendo. De fato, a noite estava um pouco fria. Mas o problema era: como eu chegaria ao armazém sem que eles me notassem?
Os guardas eram jovens, um pouco mais velhos do que Cory e Daniel, e pareciam bem distraídos. Aproximei-me apenas um pouco, pois a luz da fogueira me revelaria se eu chegasse perto deles. Fiquei escondido atrás da árvore com uma pedra na mão.
Hora de testar as habilidades adquiridas com videogames.
Joguei a pedra em um ponto escuro da mata, ela quicou e rolou algumas vezes, produzindo o efeito de passos que eu queria. O som foi alto o bastante para alertar os guardas.
— Deixa comigo — disse um deles, parando entre a areia e a terra, aonde a luz ainda chegava. Ele olhou para a escuridão e tentou enxergar. — Tem alguém aí? — silêncio.
— Larga de ser medroso, cara — gritou o colega. O guarda fechou a cara para o outro e andou
lentamente para a origem do som. Joguei mais uma pedrinha para garantir que ele fosse para o lugar certo. O guarda se assustou, mas seguiu o barulho.
Esperei-o se virar de costas e avancei silenciosamente sobre ele. Com um braço envolvi seu braço esquerdo e passei meu outro braço ao redor do seu pescoço, tapando sua boca. Ignorei os gemidos e agitações e tampei seu nariz.
O cara era forte. Confesso que tive que me esforçar um tanto para não deixá-lo escapar, mas aos poucos ele foi perdendo a consciência. Assim que ele desmaiou eu o soltei e o escondi atrás da árvore. Antes de sair, verifiquei sua respiração e fiquei aliviado por ter dado certo; o cara ainda estava vivo.
— Matt? Cara, volta pra cá. Deve ter sido um macaquinho.
Andei até a luz sem hesitar; havia dado uma rápida investigada no local e não precisava me preocupar em ser visto. Só estávamos eu e o outro guarda na praia.
— Mas que...? — segurei-o e repeti o golpe, deixando-o inconsciente também, caído na areia.
Andei até o armazém e deslizei a mão pela parede lateral, tateei a madeira até que senti a fenda. Enfiei os dedos na abertura e puxei o pequeno tampo; a chave estava lá. Beleza. Coloquei o tampo no lugar depois de pegar a chave e abri a porta do armazém.
Havia pouca comida se comparada à quantidade normal, e vários buracos vazios nas prateleiras. O armazém era grande, até maior do que a Tenda, o que acentuava o tamanho desses espaços.
Passei os olhos em cada prateleira, em cada cesta sobre elas. A maioria continha farinha, açúcar, macarrão, nada que eu precisasse levar para o barco. Fuxiquei dentro de todas as cestas até finalmente encontrar algo bom. Biscoitos. Peguei a cesta inteira e carreguei-a para fora, com frutas também. No chão, havia vários galões de água. Precisaríamos nos hidratar. Arrastei três para fora e olhei para a chave em minha mão e a pouca comida que sobrava.
Bom, se toda a comida acabar eles ainda terão frutas e animais. O rio também pode fornecer água potável, pensei, o remorso se esvaindo. Não haveria problema em roubar apenas o necessário.
Então pensei nos guardas. E se eles acordassem? Não poderia me arriscar em deixá-los jogados na praia. Se Mikayla aparecesse, eu estragaria tudo sendo pego.
Arrastei os corpos extremamente pesados dos homens, um por um, e joguei-os dentro do armazém. Conferi se tinha pegado tudo o que precisava e tranquei a porta. Não se preocupe, alguém os encontraria pela manhã e eles não morreriam com comida e água lá dentro.
Apaguei a fogueira com o pé e olhei para o barco mais próximo. Hora de preparar a rota de fuga. Só precisava de mais duas coisas para executar a segunda parte do plano.
Corri silenciosamente pela areia, meus olhos já se acostumavam à escuridão, passei pela barraca de pesca e me aproximei da Tenda. Havia guardas lá, porém nenhum rondava a Tenda especificamente. Estavam atrás dela, observando a vila; não me veriam pois estavam de costas. Subi os degraus da escadinha sem perder tempo e tentei abrir a porta que, "para a minha sorte", estava trancada. Sem problema. Peguei meu canivete do bolso e cutuquei a fechadura. Os três guardas continuavam conversando distraidamente.
Posicionei o canivete onde eu achava ser o lugar certo e tentei arrombar a fechadura com o mínimo de barulho possível. Quando achei que a lâmina estava prestes a ceder, a fechadura estalou. A ilha não tinha os melhores fornecedores, e esperava que um dia os callumines descobrissem isso.
Encontrei rapidamente o que eu estava procurando; os dois objetos se encontravam em cima da bancada alta de pagamento, lado a lado. Como chegaríamos ao continente sem uma bússola e um mapa? Saí da Tenda sem ser pego, voltando a correr para a areia.
Desde a minha escapada do castelo até ter a bússola e o mapa em mãos, já havia se passado quase meia hora, e a todo tempo eu pensava em Mikayla. Xingava a teimosia dela, amaldiçoava Tawã pelas suas segundas intenções, mas torcia para que ela viesse me encontrar antes que fosse tarde demais.
Enquanto corria de volta tentei manter o foco na próxima tarefa. Era hora de carregar o barco. Não me preocupei com o tempo que perderia, apenas senti-me aliviado por ter conseguido o básico.
A parte complicada já fora feita.
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Naufrágio nas Ilhas de Rochas
Romansa"Mikayla e Jack são jovens de quinze anos, com vidas completamente distintas e separadas, que embarcam - literalmente - na maior aventura de suas vidas. Com a colisão do cruzeiro de viagem em que estavam, seus destinos são unidos, e ambos terão de l...