O Grande Dia

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[MIKAYLA]

Minhas pálpebras pestanejaram antes de se abrirem. Remexi-me embaixo dos lençóis enquanto despertava lentamente. Assim que minha visão se focalizou, depois de esfregar os olhos com os punhos, fiquei surpresa por ter conseguido dormir um pouco antes de amanhecer.

Eu estava deitada de lado na cama, virada para a porta de saída. A luz que clareava o quarto era tão intensa que incomodava minha vista, o que me dizia que não era mais tão cedo. Pela forte claridade, o sol já devia estar perto de seu auge. Não havia os barulhos comuns matineiros do comércio para confirmar meu pensamento. Foi então que me lembrei de que estava na suíte de Tawã, que ficava no fundo do castelo, a sacada, de frente para a mata. Os sons dos habitantes eram abafados pelos dos animais.

Espreguicei-me e me sentei na cama. A blusa de Tawã se amarrotou ao meu redor. Agora com a luz do dia eu podia ver que era preta, e as mangas chegavam quase aos meus cotovelos, assim como o comprimento podia alcançar minhas coxas. Estranhei saber que Tawã tinha esse tipo de camisa. Na maioria das vezes — para não dizer sempre — ele usava camisetas claras e sem mangas. Mas estranhei mais ainda a sensação de conforto e aconchego que ela me passava.

Tawã estava na sacada, apoiado no parapeito e olhando para baixo com um semblante pensativo. Ele usava apenas o short azul do pijama — a sua cor favorita —, permitindo-me a visão de seus músculos bronzeados sob a luz do sol. Suas coxas grossas e fortes, o bíceps contraído no braço dobrado que apoiava o queixo, as omoplatas duras como rochas, as costas largas cheias de morrinhos de músculos, a barriga reta...

E então, percebi o que eu estava fazendo. Sem querer me peguei admirando a bela imagem de seu corpo, mas não me puni por isso.

Tawã era realmente bonito. E eu sempre tive consciência disso. Naquela posição em especial, com os cabelos louros cintilando como ouro e o corpo sarado reluzindo ao sol (tudo bem, você tem que parar com isso!)... eu poderia facilmente imaginá-lo como um deus grego. Ele era lindo, e sem fazer esforço algum. Assim como Jack. Contudo, eu não teria receio em admitir isso a mim mesma se Tawã não fosse tão obsessivo (e estranho, doente, cruel, sádico, etc.).

De repente, as lembranças da noite anterior emergiram todas juntas no oceano que era minha mente. Soltei um suspiro pesado e tentei ignorá-las. Tentei. Olhei de relance para o local onde eu havia jogado a camisola rasgada. Não havia mais nada lá.

Senti o colchão afundar do outro lado da cama e me assustei, mesmo sabendo quem era.

— Bom dia, princesa — saudou Tawã, em seu tom calmo e encantador, o rosto suave. Pude notar a hesitação.

Ele pousou uma bandeja sobre as cobertas que continha meu café da manhã. Movi-me para seu lado da cama, fazendo o colchão pular a cada movimento.

— Não sou princesa — repliquei, com o mesmo tom tranquilo que ele, sem esperar resposta, ajeitando a juba de cachos com uma expressão inocente. Tawã sorriu ao me observar, ao que parecia, timidamente.

— Não oficialmente — disse, sem olhar para mim. Olhava para a bandeja.

Dei uma espiada no meu café, mas sem muita vontade de comer. Um copo de suco e uma fatia de pão, que raramente víamos.

— Pão? — perguntei, surpresa.

— As empregadas acordaram muito cedo para prepararem. Hoje é um dia especial, e a primeira fatia do primeiro é sua.

O cheiro agradou minhas narinas. Ter pão em Itatiba era tão raro que chegava a ser luxuoso comê-lo no café da manhã. Mesmo pretendendo não comer, abri uma exceção para essa fatia quentinha e cheirosa. Dei uma mordida. Delicioso. Nem parecia ser um lembrete do trágico evento que aconteceria naquela tarde. Bebi um gole de suco e percebi que Tawã me observava. Quer dizer, não a mim e meus movimentos; uma coisa em mim.

Naufrágio nas Ilhas de RochasOnde histórias criam vida. Descubra agora