Dia 2

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[JACK]

Depois do nosso "almoço", Mikayla e eu entramos na mata para juntar galhos caídos e folhas secas para a nossa fogueira. Logo que conseguimos o bastante começamos a empilhar os galhos na praia em forma de pirâmide e jogamos as folhas secas ao redor. Mikayla ficou toda animada quando finalmente terminamos, esperançosa de um jeito que me incomodava. Eu tentava não agir do mesmo jeito, pois sabia que não conseguiríamos sair dali tão cedo.

Passamos a tarde toda construindo a enorme fogueira e esperando algum sinal de vida aparecer no horizonte. É claro que nada aconteceu. Mikayla se desapontou quando percebeu que a tarde já ia chegando ao fim e ainda não tivéramos a oportunidade de acender a fogueira. A cada centímetro que o sol descia, ela ficava mais frustrada. Ela não esperava que realmente fosse aparecer um resgate, esperava?

Enquanto eu pescava ela ficou sentada na areia, com o rosto escondido entre as pernas encolhidas. Seus cachos começavam a ficar rebeldes e desgrenhados, então, ela começou a prendê-los em um coque para esconder sua linda juba, e ficou quieta naquele canto, fitando o horizonte, até escurecer.

Depois do jantar, nos deitamos lado a lado na areia e observamos as estrelas. Nunca fazemos isso na cidade, mas é tão maravilhoso e reconfortante olhar o céu.

— Lindas, não? — comentei.

— Sim.

— Hoje em dia ninguém mais presta atenção no céu. Todos só correm e não param de olhar o relógio.

— Isso é triste.

— É.

Mikayla sorriu para as estrelas uma hora, depois riu consigo mesma.

— Que foi? — eu quis saber.

— Nada, é que... Bruno e eu costumávamos olhar as estrelas também.

— Quem?

— Meu namorado. — Ela falou de um jeito pausado, meio hesitante, como se não quisesse se lembrar. Era fácil, para mim, notar que o lance de Igor no cruzeiro ainda a incomodava. E eu não a culpava por isso.

— Como se conheceram?

Mikayla estranhou meu interesse, franziu o cenho para o céu, mas contou.

— Ele estuda comigo desde que entramos para essa escola de ensino médio no início do ano, mas nunca tínhamos nos falado até ele começar a trabalhar na floricultura da minha mãe. Como eu vivo trabalhando na loja era inevitável não nos esbarrarmos a cada minuto. Foi assim que acabou acontecendo entre a gente.

— Sua mãe tem uma floricultura? Legal.

Mikayla riu, percebendo que eu só tinha me interessado por essa parte.

— Mas e você, Jack? Já teve uma namorada?

Ri, sem saber o que dizer.

— Hum... Ano passado eu comecei a namorar a menina pela qual me apaixonei. Quando fazíamos um ano de namoro eu descobri que ela me traía com meu primo.

— Nossa. Lamento. Tá tudo bem?

— Sei lá. Faz pouco tempo. Na verdade — suspirei —, foi uma semana antes do cruzeiro. Mas acho que já superei, a vida continua.

Eu não sabia se acreditava verdadeiramente nisso. No cruzeiro eu ainda não tinha superado, e isso ficara claro para todo mundo. Mas depois de conhecer Mikayla, os pensamentos sobre minha ex ficaram bem menos frequentes, e as dores também. De repente, surpreso, me dei conta de que não pensava nela desde a noite da tempestade. É, eu estava bem em relação a isso. Talvez eu tivesse superado, afinal.

— Qual era o nome dela? — perguntou Mikayla, tirando-me do meu momento pensativo.

Ri, percebendo a semelhança dos nomes.

— Bruna.

— Sério? — riu também. — Que coincidência.

No entanto, à medida que seu riso foi desaparecendo, Mikayla pareceu incomodada. Chutei que ela ainda estivesse pensando no namorado dela.

— E você? — perguntei. — Tá tudo bem?

— Sobre o quê?

— Bruno.

Mikayla se remexeu na areia, sem tirar os olhos do céu. Parecia pensativa.

— Acho que não — disse ela, com um ar triste. — Mas, com tudo o que aconteceu, tenho preocupações mais urgentes no momento.

Ela olhou para mim e tentou dar um meio sorriso. De fato, não fazia sentido pensar em Bruno ou em Bruna agora, com todos os problemas que uma tempestade nos causara. Éramos náufragos. Talvez nunca mais saíssemos da ilha. Por que se preocupar com o mundo exterior se tínhamos que pensar em como sobreviver ali?

Encostei minha mão na dela, meio hesitante, meio sem saber se devia, para reconfortá-la. Quando ela notou o toque, olhei para ela.

— Vamos sair dessa, você vai ver.

Dessa vez seu sorriso foi convincente, e fiquei feliz por ter conseguido tal feito. Ela apertou minha mão de leve, um gesto que teria passado despercebido se eu não estivesse prestando tanto a atenção nela.

E encerramos o segundo dia de naufrágio cochilando ali mesmo, na areia, sob a luz do luar.

Naufrágio nas Ilhas de RochasOnde histórias criam vida. Descubra agora