Curativos

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[JACK]

A enfermaria era uma cabana bem simples e pequena. Apenas um pouco depois da escola seguindo a estradinha de terra, nos arredores da mata. O interior só tinha um cômodo, onde havia seis macas, dispostas três de cada lado, e dois armários em um canto, onde guardavam curativos, ervas medicinais e utensílios diversos. Apesar de ser uma construção necessária, não parecia tão bem cuidada como a Tenda ou até mesmo as casas callumines, mas fora o que a ilha pudera construir.

Geralmente duas pessoas ficavam na enfermaria: uma senhora de idade e um homem coroa. Mas nessa tarde, o homem não se encontrava, e era a senhora que atendia Mikayla.

Escorei-me no batente da porta de braços cruzados. Meu ombro direito doía à beça. Batera-o com força quando caíra da cachoeira. Ficaria roxa a área machucada, com toda certeza, mas nada se comparava ao estado de Mikayla.

Seu corpo todo estava coberto de arranhados, e os hematomas já começavam a marcar sua pele parda. O corte em sua bochecha sangrava, assim como o do braço esquerdo e o da coxa direita. Mas o da perna era o pior. Não sabia como ela ainda não desmaiara de dor.

Como Tina fora capaz? Se não fosse por mim Mikayla provavelmente não teria sobrevivido; mal conseguia andar ao sair do rio. Mesmo assim, ela me surpreendera. Tina a havia nocauteado, amarrado e jogado-a no rio, como Mikayla conseguira arrebentar as cordas e sobreviver por tanto tempo? Instinto de sobrevivência, talvez. Não. Apenas uma amostra do quão forte aquela garota podia ser.

Assisti em silêncio à velha senhora enfaixar o corte de sua perna, já limpo. Mikayla não parava de fazer caretas de dor. Havia pegado minha blusa de volta mas, como estava cheia de sangue, não a vesti. A senhora — que aparentava ser mais velha do que Beth — colocara folhas, ou ervas, que seja, sobre os arranhados mais feios. A ilha não costumava contrabandear remédios, e acho que descobrira por quê. Eles não precisavam. Os callumines mais antigos sabiam curar usando apenas coisas da natureza; o povo costumava dizer que eles faziam mágica com suas misturas caseiras. Contudo, eu sentira pena ao ver Mikayla gemer ao toque das ervas. Parecia arder como o antigo Merthiolate.

Desviei os olhos e observei a torre do castelo a distância, quando vi um grupo de guardas sacar os cassetetes e correr para a mata. Pelo jeito eles tinham acabado de ser alertados sobre o desaparecimento de Mikayla e começavam uma busca.

Poxa, seria uma pena se eu tivesse chegado primeiro.

Quando a enfermeira começava a limpar o corte da coxa, Tawã apareceu, andando pela estradinha deserta de areia até a enfermaria. Fechei discretamente a porta atrás de mim e esperei-o se aproximar.

— O que está fazendo aqui? — ele perguntou, com aparente felicidade em me ver.

Mas que tipo de pergunta é essa? O que você está fazendo aqui?

— Se mandou seus homens atrás de Mikayla, está perdendo seu tempo — essa foi minha gentil resposta.

Tawã soltou um risinho presunçoso.

— O que quer dizer?

— Quero dizer que eles deviam estar atrás de Tina e não dela. — Ao ver sua reação confusa: — Ah, você não sabe?

— Não sei o quê?

— Tina quase matou Mikayla hoje.

Ele arfou, sem acreditar. Assumi uma expressão ainda mais séria. Ver Tawã com essa cara de bobo só me fez ficar com mais raiva do que já estava. Qual é, a culpa fora toda dele desde o início.

— O quê? Então você encontrou Mikayla?

— Ela estava nas corredeiras, tremendo de frio e toda machucada, se segurando em um galho para não cair na cachoeira. Nem quero pensar no que teria acontecido se eu não tivesse chegado. É por isso que estou aqui. Ela mal se aguenta em pé.

Naufrágio nas Ilhas de RochasOnde histórias criam vida. Descubra agora