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Jamany Cristina // Três meses antes...

Mais um dia nessa peleja!

Me levantei, arrumei minha filha, entreti ela com a televisão e tomei banho rápido, me vesti enquanto tomava conta dela, tranquei minha casa e saí.

Deixei Aruna na minha comadre, desci cheia de bolsa, corri pro ponto e ainda consegui pegar o ônibus.

Meu destino ? Bangu, visitar meu marido. Ele foi preso por tráfico de drogas e mais uma porrada de coisas, justamente no dia do aniversário de um ano da Aruna, foi fazer corre na pista e acabou sendo preso.

Tá trancado naquele lugar, só Deus sabe o quanto eu rezo pra que ele saía, pra que tudo se resolva, que ele largue essa vida de ilusão, trabalhe e viva decentemente comigo e a Aruna.


Depois de um ônibus e um trem finalmente cheguei. Fui revistada, reviraram a comida que eu levei um tempão fazendo.

Toda vez é isso, me dá uma revolta sabe ? Uma vontade de tacar os potes de comida nas agentes.

Passei por toda humilhação que tinha que passar, entrei no pátio e sentei num banco. Forrei mais ou menos, pus as comidas e não fiquei encarando ninguém, quando tu encara aqui dentro lá fora tu sofre as consequências.


Meu amor chegou, a gente conversou, comeu e depois fomos matar a saudade na cela.

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A hora de ir embora sem dúvidas é a pior de todas. Me despedi dele, peguei minhas coisas e fui embora.

Fiz o mesmo percurso de volta pra casa, peguei minha filha e fui pra nossa casinha. Cuidei das necessidades dela, pus pra dormir e fui pra sala ver televisão.

Passou no JN a rebelião, desde então não consegui dormir.

Fiquei preocupada, aflita, sem ter como me comunicar com ele, vendo os caras queimando colchão, levantando tocha e os caralhos, isso me assustou muito.

Assisti  televisão até o último jornal, foi quando a foto dele apareceu, tava na lista de mortos pelos "colegas" de presídio. Meu mundo caiu! ....

Como vou explicar pra Aruna que o papai não vai mais voltar ?

Como vou explicar que no dia dos pais o presente é pra mim ?

Que dor meu Deus, que dor!

Minha comadre me ligou falando que tão postando vários lutos pra ele no twitter, só estão falando disso.

Ela veio me ver, me acalentar, já que eu só tinha ele pra isso.

É muita dor, muito sofrimento.

Quando consegui dormir já estava amanhecendo.

Acordei com a ligação do moço do presídio, falando que liberou o corpo pro IML e que eu tinha que ir lá assinar papelada e pegar os pertences do meu marido.

Fiz tudo o que tinha pra fazer e fui na funerária, pelo menos um enterro descente ele tem que ter.

Dia seguinte, 15 horas da tarde.

Viemos de uber com a minha comadre pro cemitério de Irajá onde meu marido vai ser enterrado.

O enterro foi "tranquilo", o que doeu mais foram as outras mulheres dele sofrendo como se estivessem no mesmo nível que eu.

Ali mesmo já deixou um pouco de ser sentimento e se tornar raiva, raiva do morto é claro.

Vim pra casa acabada, encontrei com a minha mãe na rua, mas ela virou a cara e eu segui.

A gente não se fala desde que resolvi viver com o Peixe, ela dizia que ele não prestava e eu fugi pra poder viver com o homem que eu amava.

Cuidei da minha filha e passei o dia deitadinha com ela, quando Aruna dormiu eu fui mexer no celular, achei um monte de mulheres postando luto e fotos com ele.

Foi aí que tudo acabou, fiz a limpa na minha casa.

Tirei todas as roupas dele do armário e separei pra doar, peguei as peças e devolvi pro frente da favela.

O dinheiro eu maloquei, não é muito, bem pouquinha coisa. Cortei todas as fotos, só deixei umas quatro pra Aruna ver quando crescer e pronto.

Eu bancando cadeia, deixando minha filha com um e com outro pro filho da puta ter amante até no buraco do rabo ? Aí, aí!

A partir de hoje nasce outra Jamany.

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12/06/2020






Coisa de Pele - FinalizadoOnde histórias criam vida. Descubra agora