Estava apoiada de costas no balcão esperando a pipoca estourar no microondas. Em mão sua xícara de café. O vapor fazia sua pele suar ainda mais. Aquela tarde estava sendo perfeitamente calma, porém quente. Pegou o saco fervendo, abriu com uma tesoura que achou na primeira gaveta e despejou em sua bacia favorita. Voltou pra sala, pro aconchego da sua cama feita de edredons. Apoiada no sofá começou a mudar de canal procurando por algum filme interessante.
O apartamento, para Alessia, era perfeito ao seu ver. Suficientemente grande para uma pessoa, com espaços amplos e bem delimitados. Exceto pela cozinha que ela tinha quase certeza que se seguia até uma divisória imaginária com a copa, mas ela não sabia ao certo. Sua única pista era uma protuberância de concreto, entre a sala e o espaço, que ela julgava ser, uma continuação não utilizada da cozinha, e por isso passou a chamar de copa e lá colocou uma mesa redonda de madeira escura. Bem convidativa ao seu ver. Todo esse espaço era descritível como um "L". Por conta da sala ser muito grande, era a parte comprida dele. Ela também decidiu utilizar esse espaço como uma espécie de escritório. Então a visão era a seguinte.
Quando se entrava no apartamento, a uma primeira vista, tinha o sofá azul claro acolchoado, a televisão em um móvel quadradinho de madeira escura e dos lados dois vasos com plantas de folhagem verde, à sua direita parte da mesinha redonda. E, mais próximo de um dos vasos, um radiozinho portátil que ela quase sempre ligava quando ia faxinar. A visão da esquerda era uma sequência de prateleiras escuras cheias de livros, dos mais diversos assuntos, do lado uma escrivaninha de madeira, e seu laptop, com uma confortável cadeira preta com almofadas azul escuras, quase pretas. Seguindo, o olhar da esquerda para mais à frente, estava a porta do quarto, de madeira clarinha e maçaneta prateada. Era um apartamento aconchegante, com janelas grandes e cortinas verde claras. Em dias quentes as lufadas de vento deveriam ser refrescantes; não nesse dia. Estava quente, e seco, e o ar não circulava. Sua camiseta estava com a gola colando em seu pescoço, o suor era inevitável. O incômodo podia até ser estressante, mas ela nem ligava, ela se incomodaria se fosse em outra época, mas o seu problema, o seu estresse no momento, tinha nome e uma história com ela.
Ao lado da televisão, no canto direito, mesmo do sofá, Alessia podia olhar para aqueles olhos verdes, aparentemente alegres, porém sem luz. Aquele sorriso perfeito e branco, naqueles lábios nem finos nem grossos. Aquele nariz com a ponta levemente larga e o rosto ovalado. A pele bronzeada, o corpo esguio, e os cabelos. Cabelos castanhos e grandes, mais ou menos iguais aos dela, exceto que eram lisos, exceto que eram finos. Tomou de um gole seu café, sem querer deixando um pouco vazar pelos lábios. Limpou com as costas do braço e se arrastou do sofá. Foi diretamente até o porta retratos amarelo com adornos. Com a mão livre abaixou-o. Tinha que começar a tirar ele de dentro da sua casa, só assim ele sairia de sua vida.
Voltou para a cozinha. Bebeu mais três goles do café. E jogou o resto no ralo. "À Deusa", como diria, quando confrontada por alguém incomodado. Puxou um copo escondido atrás das coisas da cozinha. Analisou. Ainda estava limpo. Abriu a geladeira, encheu-o e tomou de goles. Podia sentir o choque dos vestígios do café em seus dentes, assim que lavados pela água gelada. Agora sua caminhada se destinava sentido ao seu quarto. Olhou pela paisagem da janela, podia sentir o calor irradiando de cada pedaço de concreto daquela cidade. Podia sentir o leve frescor das sombras das árvores, podia sentir o enjôo do tédio daquele dia quieto. Nem sequer os vizinhos faziam barulho. Adentrou no quarto escuro e abafado. Abriu a única janela que ficava de frente para a cama. Uma lufada de vento enjoativamente morna a atingiu. Estremeceu incomodada. Fechou pelo menos as cortinas e abriu a porta do banheiro, sem querer a bateu ao fechar. A porta era de um marrom claro, com alguns detalhes que formavam uma moldura menor alocada naquela placa de madeira. A maçaneta era redonda, de um tamanho que mãos levemente maiores não conseguiam a girar com destreza, tendo que recorrer à parte côncava que ficava virada para a madeira, utilizando da ponta dos dedos para virá-la.
Alessia saiu do banheiro enxugando as mãos na camiseta manchada de café. Sentou-se e pegou algumas pipocas que se mostraram murchas já à sua boca. Na televisão, viu sobre um programa de assassinatos que iria estrear. Assassinatos. Já se passaram, mais ou menos, dois anos desde aqueles casos. Talvez esse programa fosse bom de se ver. Caso tudo retornasse. Porém, já se passaram dois anos e nada aconteceu. O caso tinha sido arquivado há tanto tempo... Mas e se o Monstro voltasse?
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Anamnese.
Mystery / ThrillerO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.