Aquele dia era o aniversário de namoro de Alessia e Caeu. Estavam juntos desde um pouco depois dos casos dos adolescentes estourarem. Chegar em casa e ter Caeu a esperando era um dos únicos momentos de paz em sua rotina. Fora isso, todos os dias eram correr atrás de formas de tentar evitar mortes, e conseguir pegar os assassinos. Alessia nunca achou que encontraria casos tão horrendos. Ela se deparou com decapitações, mortes de jovens e adultos, e um caso irresolúvel, até então. Quem poderia estar atrás das máscaras? Qual era a motivação? Se tinham dois assassinos buscando matar pessoas do mesmo grupo, alguma coisa tinha. Eles trabalhavam juntos? Eram rivais? Ela sabia que Caeu não gostava de falar sobre esses casos. Ele também não gostava de Alessia trabalhar com Renato. Assim como não gostava dela deixar o cabelo crescer, ou sair em festas do quartel. Ele gostava dela em casa, com ele.
Alessia se lembrava disso enquanto organizava a sala, por conta do último encontro com as meninas. Ela tinha que esperar o outro dia para falar com Carvalho. Essa era a exigência da major. Focar-se em arrumar o cômodo estava difícil. Mesmo com música animada. Ela só conseguia pensar nessa data. Algo da última invasão em seu apartamento gritava que só podia ser Caeu. Mas por que diabos ele voltaria? Já fazia tanto tempo desde o término. Ela tinha se livrado dele, já tinha se reconstruído. Decidiu por começar a tirá-lo de sua vida, mais do que só tirar seu retrato de vista. Começou a pegar cada um dos objetos que vinham diretamente dele.
Na frente de alguns livros na sua prateleira, ela achou uma bailarina de porcelana. "Linda", ele tinha dito. Ao que ela, sorrindo, assentiu. "As outras mais escurinhas eram feias, eu sei que são da sua cor, mas eram realmente feias". Aquilo fez com que os pés dela virassem cimento, e o mundo começasse a apertar de todas as direções. "Não fica assim, amor. Eu te escolhi pra ser minha". Ele a puxou pela cintura e a beijou. Ela sentiu o que ele estava querendo. E, como sempre, deixou.
Mexendo em sua escrivaninha ela achou uma caneta tinteiro. Era prateada e linda, com a ponta de pena toda adornada. Ela usava para assinar documentos em casa. "Agora você pode se alforriar das burocracias.", ele disse quando a deu essa caneta. Nesse dia ela chorou no banho. Se fosse atualmente era ele quem choraria, com a caneta atravessando de fora a fora suas bochechas. Em seguida, ela correu as mãos pelas gavetas, e de lá saiu um envelope de desculpas que ele mandou, logo após ela ter o expulsado de seu lar. Esse pacote guardava um colar de brilhantes. Era lindo, estonteante. Mas era mais uma esmola para ele a ter de volta. Ela não seria comprada.
Foi até o quarto, e de dentro do guarda-roupas tirou um frasco esmeralda de um perfume que ela odiou. Ele fechava sua garganta com o aroma, e sua boca salivava. Alessia não mentiria se dissesse que, inclusive, sentia ânsia com aquele cheiro. "Pra você tirá o fedor". Ele ria, ela apenas o olhava. Como era possível ele conseguir machucá-la tanto, e mesmo assim dizer que a amava? E Alessia mais uma vez aceitou o presente. E mais uma vez ele estava feliz. Se ele estivesse feliz, ela estava feliz. Ou, pelo menos, um pouco.
Nas diversas gavetas e portas, uma quantidade enorme de vestidos e roupas "Mais femininas", que ele sempre comprava. "Olha como são lindas. Quando nos casarmos e você ficar em casa, será melhor você usar elas, afinal, nada de exercícios, quando a gente tiver crianças e você limpar a casa.". Peça por peça, ela foi jogando no chão aqueles pedaços de pano, e separando em montes. Ela não precisava de tudo aquilo. Inclusive os infinitos saltos, e sandálias, que ela tanto odiava. Não que ela só usasse roupas esportivas, e largas. Ela gostava de um vestido ou outro, uma saia ou outra, e até mesmo saltos. Mas não aqueles. Ela jamais compraria aquilo nas lojas. Até mesmo por conta do preço. Alessia não fazia questão de marcas. Ela gostava daquilo que fosse melhor para seu gosto, e seu bolso.
Indo para o banheiro, dentro do pequeno armário, em suas gavetas, Alessia retirou um monte de maquiagens extravagantes, que mais uma vez ele havia a levado para comprar. "Elas te deixam mais bonita. Olha, tiram suas sardas que mal aparecem mesmo, e ainda dão uma clareada em você.". Ela não sabia ao certo o que a deixava mais incomodada, o teor dos comentários, ou a vendedora dissimulada e com a cara toda maquiada concordando com ele. Talvez ela precisasse tanto daquelas vendas, que não se importava em ajudar a perpetuar certas coisas. Alessia as separou em cima da pia. Mais tarde encontraria pessoas interessadas em algumas delas que ainda não tinham vencido.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Anamnese.
Mystery / ThrillerO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.