O peso do olhar de Carvalho era intenso. Ao seu lado estava Hoffman, que tinha sido promovido, com aquele olhar enjoativo de quem se sentia superior as mulheres na sala. Sandra estava quieta, nem ao menos parecia estar ali, enquanto Miranda queria entender o porquê de Martins e o parceiro da investigadora não terem sido chamados também. Ela tinha acabado de chegar, mas pelas expiradas sonoras e intermitentes da major, uma discussão aflorada tinha acontecido.
Boa tarde, vocês devem estar se perguntando o porquê de eu estar aqui, pois bem, chegou aos meus ouvidos que vocês duas foram recrutadas para uma investigação à parte, certo? ㅡ Primeiro ressoou um silêncio incomodo. Depois Hoffman arqueou as sobrancelhas. ㅡ Hein?
Sim, nós duas mais a Marie Azevedo-Barbosa formamos uma equipe de investigação não oficial. ㅡ Sandra tinha tomado o controle, mas Hoffman parecia ainda mais agradecido com um sorriso estúpido no rosto.
Então, você, Carvalho, decidiu seguir com esse seu plano estúpido? A gente te avisou anos atrás que isso não dava certo. ㅡ A major seguia estática olhando para o nada. ㅡ Sabe o que esse plano fez? Você tem ideia? Chegou aos nossos ouvidos que interceptaram informações sobre quem seriam as próximas vítimas, e agora tivemos um festival de morte, graças à sua ideia ridícula. ㅡ Miranda levantou a mão. Ele assentiu.
Senhor, aquilo foi um erro, mas não da major, Marie foi quem permitiu que as informações fossem vazadas quando enviou um e-mail para nós todas. ㅡ Ele sorriu.
Quem enviou o e-mail? Marie. Que foi recrutada por quem? Carvalho. Para o quê? Uma investigação extra-oficial. ㅡ Alessia engoliu a saliva, e viu Sandra se ajeitando pelo canto do olho. ㅡ E essa investigação, pelo que Carvalho tava me falando, teve somente duas reuniões e não teve propósito algum, a não ser vazar uma lista de futuros mortos, direto na mão dos assassinos, certo? ㅡ Ele ajeitou a farda. ㅡ Sandra, você tem pistas sobre os suspeitos?
Sim, sabemos mais ou menos o trajeto deles pelos locais que tiveram assassinatos, por exemplo, sabemos que tanto o Monstro, quanto o Fantasma são de dentro do condomínio.
Algo mais? ㅡ Miranda levantou a mão. ㅡ Claro, você que é a investigadora por hobby, né? Pode falar, estou ansioso para saber.
Mas nós temos pistas o suficiente para também resolver os casos de três anos atrás, senhor. ㅡ Todos na sala franziram a testa. ㅡ O Monstro voltou, definitivamente. E os últimos ataques? Todas as mortes seguiram a lista da Marie, mas teve uma alteração, se a gente remodelar ela, a gente consegue saber quem será o próximo, e assim prender o Monstro, finalmente, e fazer ele confessar, assim como podemos prender o Fantasma. ㅡ Agora foi Hoffman quem bufou.
Você errou nesse "a gente". ㅡ Ele dirigiu seu rosto para quem ele queria falar. ㅡ Sandra, você e Bruno já sabem o que fazer. Miranda e Carvalho, só façam o seu trabalho... ㅡ Ele voltou para a investigadora. ㅡ Quero uma resposta em, no máximo, quarento e oito horas, próximas vítimas, erros de cálculo na investigação, possíveis suspeitos, tudo isso em um relatório. Entendido?
Sim, senhor. ㅡ Carvalho e Miranda se olharam. Hoffman percebeu.
O que foi? ㅡ Carvalho tomou ar, mas quem respondeu foi Miranda.
A gente tem algum policial passando informações de dentro, senhor. ㅡ Ele se endireitou. ㅡ Meu ex invadiu meu apartamento através da cópia que algum policial vazou, ele confessou pra mim-
E foi assim que as informações da investigação vazaram, senhor. ㅡ Completou a major.
Por que eu nao fui informado? ㅡ Ele começava a ferver.
Porque nós só passamos essa informação pessoalmente. ㅡ Sandra assumiu. ㅡ Eu e Bruno estamos tentando conectar o Fantasma aos ataques de três anos atrás, porque, muito provavelmente, ele auxiliou Veneza, ou o Monstro, ou os dois- ㅡ Miranda começou a calcular, Carvalho percebeu e deixou um riso de satisfação escaapr sibilante pelos lábios.
Mas por que demorar três anos? ㅡ Miranda tomou ar.
Porque foi o momento perfeito, senhor. ㅡ Hoffman se desajeitou. ㅡ Laisa morreu, se formos levar em conta a impressão de Marie, era como se Ítalo tivesse acabado com o ciclo de três anos atrás, abrindo caminho para o Fantasma refazer o caminho da Veneza e do Monstro, matando todos que planejaram matar antes.
Por equivalência? ㅡ Carvalho mirou Sandra.
Eu acho que não necessariamente todos, mas preciso começar a investigar, então te aviso, senhor. ㅡ Sandra acariciou o braço de Miranda. ㅡ Acredito que ela tá certa nessa análise. ㅡ Hoffman se ajeitou desconcertado.
Pois bem, estão liberadas, Carvalho, não estrague tudo mais uma vez. ㅡ Miranda viu a major apoiar as mãos para se levantar.
Major! Eu preciso te perguntar algumas coisas sobre aquela operação que o capitão Rodolfo tava organizando. ㅡ A major se acalmou.
Claro, fica aqui na sala. ㅡ Hoffman esboçou um sorriso de canto.
Com licença. ㅡ Ele sumiu pelo corredor, Sandra ficou para fechar a porta, assim que ele estava longe o suficiente ela apoiou metade do corpo para dentro e articulou, "Que porre".
Sim! ㅡ Disse Miranda cochichando. ㅡ Até mais tarde?
Sim, eu te ligo. ㅡ Sandra também foi embora.
Miranda sinalizou para Carvalho fazendo uma mímica de porta trancada, a comandante assentiu. A soldado então voltou a se sentar. Parecia incomodada aos olhos da major, como se tivesse um segredo.
Major, eu sei que isso vai parecer implicância minha, mas eu tenho um palpite sobre o que aconteceu anos atrás. ㅡ Carvalho se endireitou. Séria, impassível.
Diga.
E se o Fantasma for quem ajudou Valquíria anos atrás? Lembra que teve um incidente que ela tinha o álibi perfeito?
Entendi, mas porque implicância?
Ah, isso! Então, e se eu tiver certa sobre um policial estar ajudando o Fantasma? Digo, não apenas de alguém daqui ajudar, mas também podendo ser o próprio Fantasma?
A prisão do Caeu mexeu mesmo com você, não? ㅡ Miranda mirou para a parede.
Você não me dexa visita ele... Ele pode ter informações úteis, major.
Mas, Miranda, você não tá investigando mais nada-
Sabe, eu tô morando com a Sandra depois dele ter invadido meu apartamento e eu ter me desentendido com o Martins... ㅡ Alessia mexia na calça, mas levantou os olhos para a major. ㅡ Eu tô envolvida nisso tudo.
Miranda... Você precisa de algo? Tem algo que eu possa fazer? ㅡ O olhar de Alessia cortou o peito da major. Não tinha esperanças.
Eu preciso investigar, major, eu preciso faze alguma coisa pra acabar com isso... Eu preciso pegar o Monstro e o Fantasma... ㅡ Carvalho assentiu solene.
Então vamos eu, você e Sandra, investigar juntas.
A senhora vai assumi esse risco mesmo?
Claro, Hoffman era o responsável antes, e tudo deu errado porque ele não me escutou... Alessia, eu tô certa que uma investigação não oficial é essencial nesse caso. Você pode falar com a Sandra por mim? ㅡ Miranda assentiu. ㅡ Bom, agora pode se retirar, vão estranhar você tanto tempo aqui.
Miranda ainda não confiava na major, mas viu que o pedido de desculpas foi sincero, pelo menos. Ela caminhou pelo corredor, observando os rostos que se cruzavam com seus olhos, nas salas, na cozinha, saindo dos banheiros, alguém no meio daqueles rostos era um traidor, alguém que vestia a mesma farda que ela tinha entregado as chaves de seu apartamento para serem copiadas, alguém a deixou vulnerável, e ela descobriria.
O cerco estava se fechando, o erro do Fantasma foi utilizar aquele lugar para deixar duas de suas vítimas. Se somente a polícia sabia daquela localização, ele então deveria ser íntimo o suficiente da polícia para saber. Caeu não recebeu nenhuma visita no hospital, nem na cadeia. A menos que o Fantasma conseguisse se comunicar com ele de dentro. Trocando bilhetes. Ela tinha que tirar essa informação de Caeu, ela iria vê-lo, e precisaria da ajuda de alguém para a acobertar, alguém que pudesse ser seu álibi, além de Martins. Miranda estava indo falar com Leone na secretaria do quartel.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Anamnese.
Misterio / SuspensoO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.