Marie estava digitando a nova matéria sobre o mistério da morte da menina Laísa, quando escutou baterem em sua porta. Levantou-se, virou a chave, abriu só um pouquinho, para ver o que era. Deparou-se com Carlos segurando o telefone em direção a ela.
É da delegacia, a major quer falar com você. ㅡ Aquilo não havia se repetido há anos, desde quando ela ligou para dizer que o caso do Monstro havia sido arquivado.
Alô?
Sim, é a Marie.
Okay, já estou indo.
Marie colocou sua alpargatas, colocou o celular na bolsa lateral, junto com alguns materiais para possíveis anotações e alguns pacotes de bolacha que tinha ali em cima da mesa. Foi ao banheiro, deu uma escovada nos dentes, passou a mão no cabelo, para dar uma ajeitada. Era incrível como escrever a deixava descabelada. Lavou o rosto e enxugou com a toalha mais próxima. Seu coração tocava uma marcha de guerra em seu peito. Seu estômago revirava em uma luta incansável para que ela não fosse. Algo em suas têmporas estavam gritando, a alarmando que algo muito ruim havia acontecido. E se isso tivesse a ver com a morte daquela menina? E se aquele morte tivesse a ver com tudo o que aconteceu mesmo? Mas era tão diferente...
Virou-se para pegar a bolsa e de canto de olho viu seu pai ali parado a observando. Nem mesmo a lente de seus óculos era capaz de disfarçar o que ele sentia. Era visível que Ricardo estava nervoso. Nunca que Marie saia da casa assim, ainda mais porque tudo ela resolvia por e-mail ou com uma visita do editor em casa.
Onde você tá indo, filha?
A major Carvalho me chamou na delegacia, algo a ver com alguns documentos. Volto logo. ㅡ O enjôo.
Que que eu te com acompanhe? ㅡ Parou, olhou para ele. Respirou fundo. Os olhos queimando, e se enchendo.
Mas o senhor não que descansar?
Por mim tudo bem, filha. Você não precisa ficar sozinha. ㅡ Mas ela estava, era assim o seu mundo. Solitário. Uma batalha por dia só para acordar, comer algo, escrever, tentar não se afogar.
Então tudo bem. Vamos?
Tá cá chave ai? ㅡ Droga, onde estava a chave?
Eu to com a minha. Depois você procura. ㅡ Ricardo foi até o quarto do filho avisar que levaria a irmã para o quartel, enquanto isso Marie descia as escadas e ia pegar um pouco do café que havia preparado, para levar em sua garrafa.
O caminho para o quartel era relativamente longo. Era relativamente quieto. Era relativamente nostálgico. Era relativamente mórbido. Havia tantos anos desde que saiu de lá pela última vez, que voltar estava sendo como ir rumo a um abatedouro. Marie podia sentir o cheiro do ar mudar, assim como sua textura. Sua garganta fechava e seus pés mexiam-se com força. Ricardo estava inquieto também, mas não queria deixar a filha mais nervosa. Descobrir que sua filha havia assassinado tantas crianças foi doloroso, e ela morrer foi ainda pior. Sua esposa mesmo, Evelyn, foi embora. Fazia anos que não a viam, nem notícias nem nada. Carlos foi quem mais sentiu, mas nunca quis externalizar. Talvez ver o quanto todos estavam sofrendo fez com que ele tentasse aguentar sozinho. Aguentar sozinho as crianças se afastando, os pais dessas crianças dizendo coisas. Ainda bem que, pelo menos, tinha Miguel ao seu lado.
Chegando no quartel, ambos desceram rapidamente. Chegaram à recepção e lá estava Leone. Há quanto tempo eles não o viam. Estava ainda mais magro que o normal. Leone havia crescido na cidade, e até estudado na mesmo escola que as crianças, se formou um pouco antes de Valquíria, mas eles só descobriram isso quando ele contou na última ida ao quartel. Ele levantou os olhos fundos e com olheiras, eram de um castanho claro, eram intensos. Sorriu.
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Anamnese.
Misterio / SuspensoO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.