Aquela noite estava movimentada. As ruas estavam tomadas por carros bem apressados no início do quarteirão, mas que magicamente desenvolviam valores quase budistas, assim que viam a viatura se aproximar. O rádio não cessava de transmitir as ocorrências e denominar as viaturas que tomariam conta delas. A traquéia de Alessia ainda estava travada, seus olhos pareciam pesar sete quilos, e cada folículo de sua pele se arrepiava com a memória que os tremores pelo corpo traziam a tona. Ela, a oficial Miranda, uma policial que jurou ser justa, tinha acabado de agredir severamente uma pessoa. Não apenas uma pessoa, seu ex-namorado. Pior, ela tinha sido incentivada por seus colegas de trabalho.
Como se isso não fosse o suficiente, a pessoa que ela mais confiava sabia dessa prática. Segundo os outros dois policiais ele teve a mesma oportunidade que ela. Renato sabia que aquilo acontecia, sabia o local que acontecia, e nunca a disse nada. Quem era o homem ao lado? Quem ele teria agredido? Quantas pessoas ele feriu ou participou da agressão? Não bastasse isso, Caeu tinha revelado, ainda que de forma porca, da onde tinha conseguido as chaves de Alessia. Ele apontou para o emblema da polícia. Ele pegou na delegacia, ou alguém da delegacia deu para ele a cópia das chaves dela?
Eram tantas perguntas. O estômago da mulher contraia seu maxilar quando ela se lembrava de Caeu segurando um pedaço da própria língua. O pedaço que ele decepou por conta dela. Como Rogério e Bernardo tinham combinado que seria mesmo a história? O suspeito cometeu o assalto e se deslocou a pé até uma área, onde foi pego por traficantes que ele estava devendo, o álibi seria o vício dele. Depois de o agredirem, o braço quebrado e o torcido, ele teria sido jogado para as margens do rio, de forma que ao cair ele mordeu e decepou a própria língua. Logo depois de Bernardo e Rogério terem o achado, chegaram Martins e Miranda, para ajudar nos primeiros socorros, e dar voz de prisão. Naquele momento Caeu estava esperando para ser atendido no hospital.
Alessia estava de volta naquele lugar. Ela podia ver os olhos embebidos em cólera, e adornado de veias vermelhas, olhando para ela. Aqueles olhos. Agora ela estava em seu apartamento. Ela tinha chegado tarde de uma confraternização do quartel. Caeu não quis ir. Também não queria que ela tivesse ido. Mas ela queria beber e conversar com o pessoal. Ela queria fazer outra coisa para escapar da rotina. Caeu estava na sala. A televisão desligou assim que ela fechou a porta. Ele se virou. Seus lábios inexpressivos, assim como seu olhar. Um olhar que transpassava Alessia, e seguia até a festa do quartel. Ela sentia esse caminho através do frio em sua nuca.
Bebeu bastante?... Amor. ㅡ Ele se levantou de costas. Alessia chegou perto a tempo dele se virar.
Não muito, o Renato me trouxe-
Ah é? E como ele tá? ㅡ Ele tava... tranquilo?
Tá bem... Ele mandou um abraço. ㅡ Caeu sorriu. Ele se aproximou e deu um beijo em seu rosto.
Voltou tarde, né? ㅡ Agora ele caminhava tranquilamente até a cozinha. Alessia aproveitou para colocar a bolsa na mesa do escritório, e tomar rumo até o banheiro.
Ah, você sabe como é... Ficamos bebendo e conversando, nem vimos a hora passar. ㅡ Ela já passava pela porta do quarto quando terminou de responder.
E você não pensô nem em ligá? ㅡ Os passos dele se aproximaram da porta do banheiro. Não demorou até ele estar apoiado na porta. Seus olhos pareciam meio mortos. Tinha um aspecto de fome. Fome pelo quê? As mandíbulas dele se pressionavam, e ela começou a perceber que ele estava respirando mais rápido que o necessário.
Então, Ca, a gente nem viu a hora passar, não achei que fosse problema... Se você tivesse preocupado também poderia liga-
EU FALEI PRA VOCÊ QUE EU NÃO QUERIA QUE VOCÊ FOSSE, E ALÉM DE IR VOCÊ FEZ QUESTÃO DE NEM DAR SATISFAÇÃO, NEM PENSOU EM LIGAR PRA VER COMO EU TAVA! ㅡ Alessia se encolheu no vaso.
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Anamnese.
Misteri / ThrillerO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.