Melina estava certa de que aquele dia não era um dia bom. Para nada. De manhã ela sujou sua roupa de corrida com pasta de dente e não tinha uma troca decente, então saiu correr com uma camiseta antiga e desbotada da My Little Pony. Enquanto corria pelos caminhos abertos no parque, ela não prestou atenção no chão e agora ela tinha um tênis extremamente fedido aguardando para ela arrumar coragem e lavar. No almoço ela tinha decidido que faria um lanche natural, mas não somente as verduras estavam estragadas, como a maionese estava azeda. E agora ela estava lutando contra o tempo até chegar no banheiro e conseguir pegar um absorvente, mas já tinha certeza que tinha uma mancha marrom enorme no seu shorts branco.
Aquele não era um dia bom, mas ela podia burlar todas as inconveniências se ficasse quieta em casa. Geralmente, em dias assim, Elisa estava com ela. Desde sempre elas estavam juntas, e desde sempre se complementaram. Melina era a mais sorridente, Elisa era a mais calada. Mel gostava de cantar, Isa gostava de tocar violão. E, por fim, Melina gostava de se esconder do mundo, e Elisa gostava de a encontrar, e sempre ela encontrava a prima escondida embaixo do edredom, com medo de passar vergonha.
Estava sendo solitário não ter a prima para fofocarem, ensaiarem, o simplesmente não fazerem nada juntas. Não fazer nada com Elisa era o que mais apertava em seu peito. E agora lá estava ela deitada embaixo do edredom procurando qualquer coisa que fizesse a imagem da prima sumir um pouco da cabeça, mas em quase um mês a única coisa que Melina pensava era no momento que ela saiu do camarim para nunca mais voltar. Com quem ela falava no telefone? Por que ela não contou nada? O que estava acontecendo com Elisa? Por que justo ela teve que morrer? Essas perguntas enfureciam ela.
"eae"
"blz?" ㅡ Leandro nunca tinha trocado mensagens com ela.
"oie"
"td bem e com vc?"
"mais ou menos..."
"te atrapalho?" ㅡ Muito estranho.
"magina atrapalha não"
"pode falar ^u^"
"ent... é sobre a elisa"
"acho que nunca contei pra ngm, mas eu gostava dela..." ㅡ Puta merda, aquele não era um dia bom mesmo.
"ai mdssss"
"vc quer sair um pouco? cvs?" ㅡ Diz que não...
"pode ser"
"aonde?"
"no parquinho?"
"n deve ter ngm lá"
"ok" ㅡ Merda, justo hoje.
"vo demorar 10 min ok?"
"ok"
E lá estava Melina no pior dia possível, se arrumando para conversar com a última pessoa que ela, literalmente, achava que nunca conversaria sobre ter sentimentos para com a Elisa. Leandro era um cara... Era um cara. Falava bosta, fazia bosta, mas era divertido, às vezes. Mel não tinha muita paciência com ele, ou qualquer um dos outros meninos, eles eram tão... Tão... Eles. Exceto Izumi. Ele era carinhoso, atencioso.
Talvez se aquilo não tivesse acontecido com Elisa, Mel iria se aproximar dele, e talvez seriam amigos, os três, ou, quem sabe, com sorte, eles se dariam tão bem que acabariam juntos... Às vezes era bom sonhar acordada com essas coisas, elas afastavam a saudade, e o medo. E medo era o que ela mais sentia. Medo daquele rapaz ser solto, medo de não ser ele, medo dela ser a próxima... Mas ela estava colocando todas suas frustrações e medos no bolso para ir conversar com Leandro sobre a sua prima. Que estava morta. E ela não sabia o porquê.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Anamnese.
Mystery / ThrillerO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.