Miranda percorria com os olhos as ruas retomando o longo caminho conhecido para a casa dos Azevedo-Barbosa, Martins constantemente se ajeitava na poltrona. A reunião escondida que Alessia participou mais cedo foi o que a levou a fazer esse caminho, pelo menos, uma última vez. Foi o tempo de se trocar e a Major emitiu o alerta. Eles buscariam Marie e a escoltariam até o quartel. Lá ela entraria para o subterrâneo e ficaria escondida, até que o Fantasma ou o Monstro aparecessem, se eles aparecessem.
Naquele fim de tarde tudo tomou caráter de urgência. Sandra precisou ir checar o filho e se assegurar de que estava tudo bem. Como não tinham garantias se o Monstro respeitaria as regras, ele era um candidato a vítima, mesmo depois de tudo o que passou com o Fantasma. Mas ele ficaria em outro lugar, com sua mãe e Bruno. Carvalho estava organizando novas rotas de ronda, e posicionamento de policiais no quartel, e arrumando o subsolo, o qual abrigaria Marie. O único lugar em que teriam alguma vantagem.
Chegaram até a sombria casa de Marie. Desceram da viatura e foram até a pequeno portão da entrada. Lá encontraram a campainha que tanto tocaram antes. Cerca de um ou dois minutos depois a porta se abriu. Evelyn abriu a porta, parecia confusa.
Pois não? ㅡ Martins tentou falar, mas foi Miranda quem tomou a dianteira.
Boa noite, Evelyn, ㅡ Um forte vento passou gelando os dois policiais. ㅡ Podemos entrar? É uma urgência, a própria major nos enviou-
Claro, claro, por favor, entrem. ㅡ Disse a mulher balançando os braços e as pulseiras barulhentas. ㅡ Vocês aceitam alguma coisa? ㅡ Ela disse enquanto os levava para a sala de televisão, e se virava para a escada. ㅡ Marie! Desça aqui! ㅡ Ela gritou e lá de cima uma sequência de portas se abriu.
A casa tinha um leve odor de cigarro que vinha da varanda e se estagnava em Evelyn. Apesar do vento lá fora, a casa estava levemente mais aquecida, e, apesar do tempo, Miranda percebeu que não mudou nada. O mesmo ambiente escuro pelas madeiras, mas claro pelos lustres e lâmpadas em todos os cantos. De cima da escada ela pôde ver Carlos observando tudo. Estava bem mais alto do que ela se lembrava, e imaginava quando Marie falava sobre ele. Ricardo descia as escadas, como se estivesse faltando com sua obrigação. Logo atrás estava Marie. Com os curativos e aparentando estar muito cansada.
Boa noite, gente, ㅡ Disse Ricardo levemente esbaforido. ㅡ aconteceu alguma coisa? ㅡ Miranda olhou para Evelyn, Martins, e então se voltou ao pai da família. Marie ainda descia os degraus.
A major Carvalho nos enviou para que pudéssemos levar a Marie para o quartel... ㅡ Os pais olharam-se confusos. Marie parou faltando apenas um degrau. ㅡ Ela está em perigo, e lá temos um local que dificilmente o Fantasma, ou o Monstro possam a pegar... Digo, se quiserem pegá-la terão que passar por todos os policiais do quartel. Aqui ㅡ Ela retirou um papel dobrado da farda e entregou para Ricardo. ㅡ Isso é uma carta da própria major. Não faremos mal algum à Marie, ela inclusive pode ir acompanhada por alguém, desde que vá conosco imediatamente. ㅡ Marie se aproximou, leu a carta e passou para Evelyn.
É seguro mesmo, Alessia? ㅡ Perguntou Marie em um tom doce, porém extremamente frágil, com medo.
Sim, Ma, se não fosse eu não teria vindo... Confia em mim.
Mas como é esse lugar em que ela vai ficar? ㅡ Alessia se aproximou com o celular e mostrou as imagens.
É uma espécie de porão que tem por toda a cidade, inclusive no quartel... ㅡ Ele a encarou. Ela percebeu, sabia o que aquilo significava. ㅡ E como o senhor pode ver, ㅡ Ela continuou fazendo-o mudar a atenção ㅡ nós limpamos um dos quartos, colocamos alguns colchões, tem água, até um banheiro.
Então ela vai ficar como uma prisioneira? ㅡ Perguntou Evelyn indignada. ㅡ Vocês tão protegendo ela, ou tão prendendo minha filha? ㅡ Martins se colocou entre ela e Miranda.
Calma, senhora, ela ficará lá até que um dos assassinos apareçam-
E por que disso? ㅡ Miranda entortou-se até sua cabeça aparecer atrás das costas do colega.
Isso já é um detalhe confidencial. ㅡ Disse a policial. ㅡ De qualquer modo, ㅡ Miranda voltou-se para Marie. ㅡ Precisamos que pegue algumas roupas e produtos para ficar lá. Te daremos comida, água e o que precisar. Mas precisamos de você lá, tudo bem? ㅡ Marie assentiu.
Posso levar uma pessoa comigo, né?
Sim, achamos importante que você tenha alguém com você-
Eu vou. ㅡ Carlos interrompeu do alto da escada.
Você tem certeza, filho? ㅡ Ricardo parecia preocupado. O garoto descia as escadas.
Tenho pai. ㅡ Evelyn correu para o abraçar.
Meu menino corajoso!
Então acho que é isso. ㅡ Ricardo olhou para Marie. ㅡ Tenha cuidado, minha filha.
Obrigada, pai. ㅡ Ela olhou para os policiais. ㅡ Só me dêem um minuto.
Lentamente ela voltou a subir a escada e logo sumiu no corredor acima deles. Carlos foi logo atrás. Bem baixo, como um sussurro chuviscado, Miranda escutou seu nome ser chamado. E Martins também, do mesmo modo que Ricardo e Evelyn. Ela tinha se esquecido, mas usava o rádio comunicador na cintura. Riu da cara do próprio, aumentou o volume.
Miranda QAP? Câmbio.
Miranda na escuta. Câmbio.
QRL? Câmbio.
Estou ocupada, fazendo aquela tarefa. Câmbio.
QRE na delegacia?
Penso estar em vinte minutos. Câmbio.
Tente vir mais rápido... Temos um problema. ㅡ Miranda olhou para Martins.
Evelyn e Ricardo pediram licença e foram ajudar os filhos a arrumar as coisas. Em pouco tempo eles desciam com algumas malas. Rapidamente foram para a viatura e de lá seguiram para o quartel. Os dois estavam silenciosos no banco traseiro. Miranda os olhava pelo espelho retrovisor, ou tentava, já que Carlos estava fora de vista. Martins cortava o trânsito, há tempos ele não dirigia com tamanha agilidade. Ele tinha pressa, ela também. O que queriam com ela no quartel?
Assim que entraram pelo hall, depararam-se com major Carvalho e Hoffman os esperando. Ela coçava a cabeça desconcertada. O Coronel se aproximou, Carvalho acenou para que Martins continuasse a levar os irmãos para o subsolo, mas continuou ali. Do outro lado do vidro da secretaria, Miranda viu Leone apertando os lábios em uma face de "Não tem o que fazer". Mas o que aquilo queria dizer? Por que Hoffman estava ali e por que a major parecia tão incomodada?
Soldado Miranda. Você está sendo afastada formalmente. Entregue sua arma e entre com a papelada-
Como assim? ㅡ Ela olhou para Carvalho. ㅡ Por que isso? ㅡ A major baixou a cabeça, inspirou e tomou fôlego para dizer. Parecia até que aquelas palavras doíam.
Caeu entrou com uma queixa de agressão física contra você. Até resolvermos isso você será imediatamente afastada. ㅡ Alessia podia sentir o quanto aquilo entristecia a major. O coronel estendeu a mão.
Por favor, retire o cinto. Leone já separou os papéis pra isso ser o mais rápido o possível. ㅡ Ele o pegou e passou para Carvalho. ㅡ Agora tenho mais o que fazer. ㅡ Parou solene em frente à major. ㅡ Boa sorte com o plano. Assim que ele saiu pelos fundos, Carvalho a fitou.
Assim que terminar, me encontre lá fora. Ainda preciso de você. ㅡ Disse séria, fazendo a coluna de Alessia tremer. Carvalho acenou para Leone e se retirou.
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Anamnese.
Mystery / ThrillerO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.