Marie tinha acabado de tirar os sapatos. Estava deitada em sua cama e mexia no celular. Não fazia muito tempo que tinha voltado da casa da oficial Miranda, que descobriu se chamar Alessia. Junto dela e de Sandra, Marie começou a analisar as fichas. As fichas antigas e as novas. Elas tentaram fazer isso na mesa, mas as folhas eram muitas, então decidiram ir para a sala, e lá ficaram entre o sofá e a televisão. Marie via os nomes, e as lembranças voltavam, alguns nomes doíam demais. Ela se recusou a ver o de Gael e o de Mirtho, principalmente.
Mesmo elas lendo e relendo as linhas, não conseguiam traçar algo relevante. Marie tentou se lembrar de algumas coisas, mas mesmo assim, ainda sem êxito. O tempo corria, mas elas não tinham muito o que fazer. Alessia então decidiu que elas deveriam, pelo menos, se conhecer melhor, então dividiram uma pizza. Alessia tinha passado por algumas coisas difíceis além das ocorrências de três anos atrás. Sandra era mãe solteira e não sabia quem era o pai do filho, mas o seu problema era o garoto ser um vítima em potencial.
Ela rolou na cama, e escutou ao fundo a campainha tocar. Então a porta da frente abrir. Ouviu passos na escada, eram apressados, e ninguém os seguia. Pelo barulho deveriam ser de seu pai. Ele passou pelo corredor, e apareceu na porta de seu quarto. Ele sorria, isso era estranho.
Filha, você tem visita, ele tá lá embaixo. ㅡ Visita? Ele? Desconfiada ela saiu da cama.
Quem é?
O Victor, lembra? Vocês estudaram juntos. ㅡ O Victor...
Okay, tô descendo. Você pode avisar ele? ㅡ O sorriso de seu pai abriu.
Claro, Ma.
Ela não estava mal vestida, mas precisava estar menos. Pelo menos para estar em casa. Trocou a jaqueta de couro verde, para uma blusa de moletom cinza. Manteve a calça jeans, e colocou uma pantufa. Seguiu o corredor, do alto da escada viu um moço de cabelos loiros, quase dourados, barba bem volumosa e dourada também. Ele era alto. Estava com roupas normais, calça jeans, camiseta gola "V", azul escura, e blusa preta. Ele conversava com Ricardo e suas mãos estavam enterradas no bolso da blusa, enquanto ele se encurvava e ria.
Aproximou-se deles. Victor quando a viu parou, seus olhos se abriram, sua boca não se fechou do sorriso. Seu perfume inundou as narinas de Marie, e irradiavam por todo o cômodo. Seu pai deu alguns tapinhas no ombro dele, e se despediu. Passando pela filha fez carinho no seu braço e seguiu rumo à escada. Victor inspirou e sorriu enquanto balançava com a cabeça. Marie tentou esboçar um sorriso, mas já estava um pouco cansada, e estava tarde. Ele nunca tinha ido a visitar, pelo menos desde quando tudo terminou naquele beco. Mas agora lá estava seu colega de turma.
Então... O que te trouxe aqui? ㅡ Seu sorriso se transformou em um de canto de boca.
Eu... Vim te ver... Sei lá, fazia tanto tempo, e eu senti um pouco de saudades, queria saber como você tava... ㅡ Marie queria parecer indiferente, mas não deixou de corar, assim como ele.
Eu... Tô bem. Às vezes me pego pensando no pessoal também... Pra onde você foi? ㅡ Ela apontou para ele com a palma da mão para cima e voltou a esconder a mão.
Eu tava estudando fora, agora falta só um ano pra me formar. E você, o que tem feito? ㅡ Marie agora era de um incômodo que doía. Suas orelhas queimavam.
Eu sou jornalista... ㅡ Ela cruzou os braços e com a cabeça baixa viu que uma barriguinha aparecia na camiseta, certamente ele apreciava uma cerveja. ㅡ O quê você cursa?
Tô tentando ser um bom sociólogo, mas só tentando. ㅡ Ele riu, e ela acompanhou.
Você tá chegando de viagem? Quer se sentar? Uma água... ㅡ Ele negou com a cabeça e com o seu sorriso de canto recém adotado. Colocou as mãos nos bolsos das calças.
Eu, acabei de chegar, mas tinha um posto no caminho, então tá tudo bem, obrigado... Ahn... A gente podia sair qualquer hora dessas...
Pode ser... ㅡ Ele voltou a abrir o sorriso.
Então a gente combina. Acho que fica mais fácil se eu tiver seu número... ㅡ Ele tirou o celular do bolso da blusa e entregou para ela na tela de discagem. Marie digitou e salvou.
Pronto, à uma teclada de distância.
Realmente muito próximos. ㅡ Ele riu. ㅡ Acho que vou indo. Tá tarde, né? Desculpa o incômodo.
Ah, que isso, tudo bem... Eu te acompanho. ㅡ Eles seguiram. Ela foi indo na frente. E sentia a presença dele atrás de si. Ela sentia seu corpo emanando uma energia que a preenchia. Seu peito queimava.
Então... É isso, te chamo pra conversar amanhã, pode ser? ㅡ Ela deixou um sorriso escapar, e se odiou por isso.
Pode ser sim. ㅡ Ele se aproximou, estava muito próximo. Seu peito queimava. E o rosto queimava. E as orelhas queimavam. Ele se abaixou, e colocou sua mão, que era enorme, nos ombros de Marie. Ela sentiu sua barba roçar na sua bochecha, e ouviu ele estalar os lábios. O que ela retribuiu. Ele levantou-se, e ela se segurou para não acompanhá-lo até ficar nas pontas dos pés.
Victor seguiu o caminho até o portão. Quando saiu puxou a chave do carro e o destrancou. Marie esperou até ele se virar na porta do carro e dar um tchauzinho, o qual ela retribuiu. Quando o carro saiu, ela fechou a porta. Mal conseguia suspirar. Há anos ela não sabia o que era sentir aquilo ao vivo. Talvez fosse bom ele ter passado. Talvez ela tivesse uma forma de se atualizar. De se reinventar. E conseguir superar sua fobia.
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Anamnese.
Misterio / SuspensoO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.