Os altos e baixos daquele quase um mês, desde a morte de Laísa, tinham sido o suficientes para ela estar de volta ao mundo sombrio em que vivia. De sentir-se sozinha, Marie passou a se sentir importante, depois começou a ter confiança em si mesma, inclusive ela não esconderia sua atração por Victor, mas ela tinha que enviar aquela maldita análise. Agora Marie tinha voltado à estaca zero. Fechada entre as quatro paredes do quarto, ela começava a sentir as acusações cortando seu peito. Antes do que aconteceu quando ela errou, ser acusada pelos cidadãos, anonimamente, no jornal não era grande coisa, agora doía como se ela estivesse sendo apedrejada. Sandra, Alessia e Carvalho agora a tratavam como uma ameaça.
As colegas de investigação não respondiam suas mensagens, mesmo depois da prisão de Ítalo. Era como se ela tivesse realmente as traído, mas ela sabia que não tinha feito nada, ou tinha? Ela estava tomando os remédios, ela não estava tendo as crises, ela estava bem, ela tinha plena consciência, ela não trabalhava para o inimigo. Era isso o que Alessia pensava? Por que ela pensaria isso? E Sandra? Ela era mais fechada, mas também era atenciosa. Como Carvalho tinha cogitado que Marie tinha feito algo? Logo ela que visitou Marie naquele dia no hospital. Marie lembrava bem de como estava:
A luz branca de dentro da ambulância, era fria em conforto, e ao mesmo tempo morna, fazia suas entranhas revirarem dentro de sua barriga. Os cortes explodiam em chamas com cada balanço. Seu maxilar não tinha forças para se mover e responder qualquer coisa a quem quer que seja que a acompanhava ali atrás. Ela não conseguia se mover em geral. Simplesmente sentia que o mínimo movimento a quebraria em mil pedaços. Sua cabeça era martelada e esmagada com uma prensa a cada movimento de seus pulmões. Marie finalmente acordou deitada em uma maca incrivelmente sólida. À sua esquerda sua mãe, pai e o irmão mais novo. Evelyn chorava, Ricardo a olhava grave, Carlos estava inexpressivo, quase como se sentisse raiva, mas isso deveria ser apenas impressão. Ela estava fraca, na noite anterior sua irmã tentou a matar, e no caminho assassinou sua amiga, e antes seu namorado. Valquíria havia matado Mirtho e Gael e logo depois... Logo depois foi assassinada. Como sempre, sua mãe aproveitou o momento para brigar com seu pai, e se Marie soubesse que logo mais ela se divorciaria dele e sumiria, talvez ela não se importaria tanto com aquilo. Bem a tempo um médico entrou junto de uma enfermeira para a examinar. Seus pais tiveram que sair. Nunca um ser humano com aspecto tão amigável pareceu tão horrível quanto aquele médico pareceu para ela. Marie não queria ser tocada por ele, nem pela enfermeira. O toque deles fazia com que a garganta da garota se contraísse. Os batimentos acelerados e olhar de terror foram o suficiente para o médico entender o que se passava. Ele pediu perdão e se retirou. Marie até o momento não tinha dito, sequer, uma palavra, também não precisava. Suavemente gotas mornas e de gosto salgado escorregaram pelo rosto dela. O mundo todo era gélido e frio contra sua presença, e ela estava sozinha. Não tinha amigos, não tinha quem a entendesse. Valquíria tirou tudo de Marie, e quando não pôde tirar mais ela se retirou. Valquíria, a irmã mais velha que dava carona para ela, que comprava lanche e pizza para elas, Carlos e Mirtho, a irmã mais velha que Marie implicava e fazia passar raiva, mas sentia falta quando não conseguia ver por mais de dois dias. Ela sabia que Valquíria poderia ser um pouco solitária, mas ela via todos os feitos perfeitos da irmã, e de certa forma queria ser como ela, perfeita na execução de suas atividades. Agora Valquíria estava morta, e Marie era a única testemunha do que aconteceu na última noite, era a única sobrevivente. E depois daquela noite somente restava o medo da única certeza que se tinha, o Monstro ainda estava livre.
O Monstro ainda estava livre, inclusive, enquanto esses novos casos apareciam. E se, na verdade, Sandra estivesse enganada, era muito provável dele estar por trás de todos esses acontecimentos, nem que de forma indireta. Mas o que ele quer? O que ele queria três anos atrás? Por quê? O que Valquíria queria? Por quê? Marie nunca conseguiu pensar em sua irmã como uma assassina de sangue frio. Ela nunca conseguiu ver nos olhos de Valquíria, o que ela viu nos olhos da irmã naquele beco. Eram olhos sedentos por dor, sangue e morte. Sua irmã era calma, quieta, e metódica. Era como se o mundo fosse seu estúdio de balé, e as impressões que ela deixava eram seus quadros. Os quadros de Valquíria...
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Anamnese.
Mystery / ThrillerO jogo de morte dos assassinos Veneza e Monstro, de três anos atrás, marcou para sempre a vida de quem vivenciou os casos. Agora, com a morte de uma adolescente, todos se perguntam se os horrores do passado estão voltando para os assombrar.